[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Festival de Sintra 2010,
mais uma achega

Como terão verificado os mais atentos, para além da minha, também outras vozes sintrenses vieram recentemente a público lamentando que se tivesse chegado à evitável situação de, apenas no passado dia 18, dez dias antes de começar a 45ª edição, ter aparecido a publicação impressa do programa do Festival de Sintra 2010.

Se bem entendem, tal significa que, no preciso momento em que a organização já deveria descansar com a concretização do grosso das vendas de bilhetes, ainda o grande público desconhecia que eventos estariam programados… Na realidade, tudo isto me leva a perguntar se, em terra de turismo militante, o Festival de Sintra, estará mesmo interessado em atrair públicos de todas as proveniências nacionais. É que, com esta estratégia dilatória, só se abrange uma faixa, pouco mais que doméstica, da potencial audiência.

Por outro lado, tendo aparecido tão tardiamente, pena é que não tivesse havido tempo para incluir uma palavra de introdução à proposta que o Festival vem apresentar. Por muito boa vontade que tenhamos, não podemos deixar de considerar que se trata de desrespeito pelo direito do público à informação, por exemplo, sobre as razões que terão norteado os responsáveis a avançar com este e não com qualquer outro conjunto de eventos.

Nem sequer é necessário recorrer a festivais estrangeiros. De facto, basta lembrar como, em Alcobaça, Póvoa de Varzim, Espinho ou no Estoril, outro é o cuidado das respectivas organizações no sentido de esclarecer quem é suposto cativar. De facto, não é só no programa geral, ou nos mais específicos, que tal cuidado é pertinente. Em tudo quanto é suporte papel, a palavra de enquadramento, geral ou particular, deve ser uma preocupação.

A falta da grelha

Desde já, sem entrar em pormenores, registaria que a programação geral não obedeceu a qualquer matriz. Não, não há défice de entendimento da minha parte e, como bem tinha previsto, é ininteligível a grelha de concepção, imperceptível qualquer submissão a uma lógica interna ou à conveniente coerência de articulação entre os eventos.

No entanto, quanto à música, num ano tão fértil em efemérides como as relativas a Chopin, Schumann Mendelssohn, Pergolesi, Wolf ou Mahler, é perfeitamente natural e, por isso, legível que a maior parte dos pianistas proponha o seu recital recheado de peças da autoria dos dois primeiros compositores citados. Estaria assim justificado o tema gerador e definida a primeira linha de abordagem de um programa obediente a uma rede de interesses, tão logicamente conectados, como a do caso em apreço.

Como habitualmente acontece, a componente musical do Festival de Sintra é inequívoca. Portanto, nada a acrescentar de menos positivo. Mas, então, e o resto? O resto é mais do mesmo. A única linha de coerência (?) detectável é a que, teimosa mas infelizmente, tem presidido às últimas edições, ou seja, resultando na patente miscelânea de propostas inarticuláveis, sem qualquer ponta de nexo.

Nomeadamente, os eventos que se acolhem à designação de contrapontos, como não pressupõem a mínima relação, quer entre si quer com o resto do Festival de Sintra 2010, até podiam ter um enquadramento totalmente diferente, portanto, alheio às motivações que, a nível cultural, mais mobilizam quem, em Sintra, se preocupa com questões desta natureza.

Claro que não desconheço que, a contrario do que actualmente acontece, impor-se-ia que a programação dos contrapontos se concretizasse, pelo menos, com dois anos de antecedência se, como tenho advogado conveniente, o objectivo fosse o de vir a adequar-se, por exemplo, à proposta do tema global da vertente musical,.

Em inúmeros artigos de opinião,* já tive oportunidade de demonstrar a incorrecção da designação de contraponto uma vez que esta noção tem de evidenciar uma relação por oposição a algo que, no caso do Festival de Sintra, a organização não consegue apresentar. Assim sendo, nem sei, ao longo de sucessivas edições, como qualificar a insistência ou como interpretar esta persistência.

Diria eu que mais se assemelha ao aflito esbracejar de alguém que, prestes a naufragar em águas, nem por isso particularmente turbulentas, mas transportando uma incomportável carga, acaba por conseguir deitar a mão à bóia de salvação, gritando: olhem que eu estou aqui, reparem, eu existo! Para bom entendedor…

Mais uma achega

A própria arquitectura de qualquer Festival rejeita a inclusão de peças avulsas, desgarradas. Assim sendo, apenas um passo foi dado, um pouco por toda a parte, cá dentro e lá por fora, absolutamente natural e compreensível, até à evidente necessidade de tudo conceber para articulação dos eventos na obediência a um tema global e gerador das conotações implícitas e explícitas,. Tudo isto porque, já há muito tempo, qualquer Festival se concebe na presunção de que o público está sintonizado com esta estratégia.

O espectador ou já é ou passará a ser habitué, alguém que, em cada nova edição, espera surpreender-se, enriquecido pelas diferentes abordagens do tema, através do teatro, da ópera, da dança, das leituras de poemas, da integração de propostas plásticas, de conferências, oficinas de expressão vária, etc, etc. O espectador, escrevia eu, só tem vantagem em que o Festival resulte de uma concepção integrada, globalizante, portanto, da ideia de festival como um todo coerente.

Hoje em dia, o difícil é encontrar um festival que não envolva e articule várias artes e suportes artísticos diversos. A propósito, há uma série de anos, vindo de Viena, divulguei a atitude, estranha mas interessantíssima, de um festival em que se fez música com instrumentos feitos com legumes e hortaliças, elementos vegetais com os quais, finalmente, se cozinhou uma estupenda sopa.

Preocupação presidencial

Num festival, a verdade é que tudo é possível, desde que inteligíveis sejam as relações. No Festival de Sintra, para manifesto prejuízo geral da iniciativa, tal não tem sido praticável. Contudo – muita atenção! – a partir do que venho escrevendo, não se entenda, que as propostas afins dos designados contrapontos serão, geralmente, de inferior qualidade. Jamais o afirmei se bem que, reiteradamente, confesse não sentir qualquer vontade em assistir a espectáculos cujo enquadramento não perceba minimamente.

Finalmente, julgo poder partilhar convosco a certeza de que o Senhor Presidente da Câmara vem manifestando crescente preocupação relativamente aos assuntos que tenho ventilado, tanto no âmbito das considerações publicadas neste blogue e na imprensa, como na sequência de uma carta que, oportunamente, lhe enviei. Dá um certo alento perceber que as nossas palavras têm o eco que é suposto deverem suscitar. Serenamente, cumpre aguardar.


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* Acerca do Festival de Sintra 201o, consultar, neste blogue, os textos publicados nos dias 8 e 11 de Março, 5 de Abril e 4 de Maio, todos deste ano de 201o.

Para além de uma série no «saudoso» Jornal de Sintra, vd., entre outros, os seguintes textos sobre o assunto no sintradoavesso: - Festival de Sintra 2009, palmarés comentado, 11, 12, 13 e 14 de Junho de 2009; - Vengerov maestro, um equívoco, 15 e 16 de Junho de 2009; - Alcobaça, a Festa da Música, 17 de Junho de 2009; - Revisão da matéria, 18 de Junho de 2009; - Espinho, Estoril e Póvoa de Varzim, festivais culturais, 6 de Julho de 2009; - Grandes festivais, 7 de Agosto de 2009.

4 comentários:

Anónimo disse...

Confirmo. Só na passada 6ª feira tive um programa na mão. Fui à bilheteira. Não sei como explicar: Sabe-se que os concertos estão às moscas sempre mas ao balcão há dificuldades de toda a ordem para se arranjar um bilhete para o Olga Cadaval. Devem ter as salas reservadas para as borlas do costume. Como é que pode ter resultados positivos?
C. Reis

Helder Sousa disse...

Amigo João,
Continuo sem perceber porque não têm em conta as suas sugestões e conselhos.
Há um «grande pormenor» no que escreve, a necessidade de programar com muita antedência.
Em Portugal isso não existe e por isso no caso dos festivais estão a ter sucesso os que são dirigidos por pessoas que trabalham assim como o Alexandre Delgado em Alcobaça que é um festival de grande rigor e seriedade.
Até Sintra se não fosse os contrapontos tem o Pereira Leal que é óptimo.
A propósito, logo encontramo-nos
na apresentação da temporada
da Gulbenkian. A Fundação é
o caso mais sério de programar a tempo. Devia oferecer estágios.
Helder Sousa

Anónimo disse...

Neste pobre Portugal a única coisa programada com antecedência é o futebol. Chego a desejar que a equipa portuguesa perca às primeiras na África do Sul para ver se este povo cai na real. Desculpe o João Cachado mas não assino. Matavam-me...

Eduardo B. Alves disse...

Meu Amigo João,
Ainda bem que tens tido a preocupaçãp de separar as águas. Na realidade o Dr. Pereira Leal não tem responsabilidade alguma nesta proposta dos contrapontos que trazem uma confusão desgraçada ao Festival de Sintra. Com os artigos que publicaste no blogue e na imprensa já tinhas matéria para uma brochura...
Abraço amigo,

Eduardo B. Alves