[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O malandro do futebol…


Decididamente, o futebol não é coisa que me suscite qualquer particular interesse. E tanto assim é que, em toda a minha vida, apenas por duas vezes, entrei em estádios para ver um desafio, a última das quais há cerca de quarenta anos. Embora saiba as regras e consiga perceber se e quando uma equipa joga como grupo coeso, o melhor é não entrar em detalhes porque muita coisa me escapa.

Se, ao longo do ano, não me passa sequer pela cabeça ver qualquer jogo pela televisão, o mesmo se não passa quando o contexto é internacional e a selecção portuguesa anda por lá. Se assim for, até sou capaz de ver um ou outro desafio desde que nada de mais interessante haja para fazer na altura.

Não admira, portanto, que até eu, completamente a leste do futebol, nestas últimas semanas, tenha visto quatro das partidas disputadas no Campeonato do Mundo, dentre as quais as que opuseram a nossa equipa à Coreia do Norte e à Espanha, a Alemanha à Espanha e, ontem, a final.

Quanto ao encontro com a Coreia, foi de tal modo atípico que aquele resultado até podia ter sido mais expressivo, perante um adversário perfeitamente desarticulado. Foi um autêntico bater no ceguinho. Quanto ao desaire com a Espanha, quero lá bem saber se o insucesso da nossa equipa fica a dever-se à falta de sentido de estratégia do Prof. Carlos Queirós ou ao amadorismo do Dr. Madaíl como gestor da Federação.

Até um desconhecedor como eu pôde verificar, isso sim, como os nossos jogadores, depois de sofrido o golo marcado pelo Villa, nunca mais se encontraram, e, sem ponta de força anímica, cederam a uma equipa determinada que, percebe-se, fez o trabalho de casa que foi preciso, sem grande estardalhaço, mas de modo tão convincente que, dizem os conhecedores, mesmo o primeiro encontro com a Suiça terá dado para entender que o resultado negativo seria tudo menos concludente.

A Espanha e os outros

Bastaram tónicos de um a zero para que, até à tarde de ontem, a Espanha tenha imposto ao mundo a força do seu futebol. Mas só isso, só o futebol. Mal da Espanha se – infelizmente, como acontece em Portugal…– precisasse do resultado do seu desempenho neste campeonato de futebol na África do Sul, para se afirmar como um país capaz.


A Espanha é, sempre foi um grande, grande país. Tal como a França, a Alemanha, a Holanda, a Inglaterra, a Itália, grandes países europeus e de inegável gabarito mundial, com os quais emparceira na grande Arte, na Ciência que neles acontece há muitos séculos. Não pelo futebol, coisa relativamente recente e secundária, mas inequivocamente mediática, que a Espanha e os outros citados, como grandes países que são, também acabariam por cultivar com grandeza. Pois claro, com a grandeza de sempre.

Mas significa isto que há outros, outros, de segunda linha? Então, Portugal? Bem, decididamente, não pertence àquele grupo. É outra coisa. Mas não é a mesma coisa que a Suécia, a Finlândia, a Dinamarca, a Noruega, a Áustria, a Suiça, etc., por exemplo, onde os índices económicos andam de mão dada com um inequívoco bem estar dos cidadãos, onde as Artes e as Ciências se cultivam ao mais alto nível, onde o futebol, enfim, também se joga, de vez em quando com sucesso.

Os outros e Portugal

Não, Portugal nem pertence ao grupo dos grandes que inclui a Espanha e os outros cinco e também não se aproxima sequer dos do parágrafo precedente. Não, Portugal é coisa bem diferente. Quanto ao que espera do futebol, a plataforma em que se situa é mais próxima da que se vive noutras latitudes. Se bem entendem, algo mais de América do Sul, do género Brasil, México. É um país europeu mas muito longe da Europa, continente, aliás, para onde continua a emigrar, apesar de pertencer à União Europeia e até estar integrado na zona Euro…

Como não atina em quase nada, como está na cauda de tudo quanto há para escalonar [e quando está à frente, como no caso da mortalidade infantil – sucesso do Sistema Nacional de Saúde, coisa pública e com muita honra – não está descansado enquanto não entregar tal êxito nas mãos de privados…] atira-se ao futebol, qual tábua de salvação, na expectativa de que eventuais êxitos devolvam aos cidadãos um pingo da auto-estima de que estão em perda há gerações. Naturalmente, de vez em quando, o futebol até faz um jeitinho, como em 1966, governava Salazar, lembram-se?…

Mais recentemente, o sucesso teima em não chegar, apesar de investimentos absolutamente catastróficos, em estádios de futebol, alguns dos quais estão às moscas, projecto concretizado sob a orientação de um ministro – lembram-se? – que é hoje Primeiro Ministro. A classe política desespera. O Governo, em aflição, nada mais pode fazer do que cobrar impostos iníquos, sem a alegria de um lugarzito minimamente digno no campeonato. Nem aos quartos de final chegou a selecção…

É o horror instalado nas hostes. O povo patrioteiro (não patriota, incapaz de perceber que o patriotismo é a outra face do civismo…) espeta as bandeiras, grita, acompanha o autocarro ao aeroporto, sopra na vuvuzela e nada! Fica na fossa, na fossa do mais profundo desânimo, contando os tostões que o Governo, mesmo assim, insiste em receber, sem a compensação de uma alegria que suavizasse tanto descontentamento.

Neste Sudoeste europeu, os deuses não dão sinais de qualquer mercê. A velha crise nacional, há muito endémica, continua a fazer o seu estrago. A crise global agravou a que estava muito longe de ser debelada. E nem o futebol – tanta esperança que havia no futebol, para esconder ou fazer esquecer os lamentáveis índices que os diagnósticos vão evidenciando, com tanta crueza – nem o futebol, que injustiça, dá uma mãozinha! Ou deveria escrever um pezinho? Tratando-se de futebol, é capaz de ser mais apropriado…







3 comentários:

Ricardo Duarte disse...

Caro Prof. João Cachado,

Apenas um complemento à mensagem que o seu texto transmite. As razões do insucesso da nossa equipa nacional, para além das especificas de um jogo colectivo que contemplam a disputa de um resultado com um adversário, são as mesmas do insucesso do País e que neste caso resumo a duas: a falta de um projecto a médio/longo prazo e a falta de verdade das pessoas responsáveis.

Em relação à primeira, basta referir que após os Jogos Olimpicos de Barcelona foi posto em prática um plano reformador de todo o desporto em Espanha. E o que produziu? Campeões em Ténis, Automobilismo, Ciclismo, Andebol, Basquetebol, Futebol, etc. Para não falar do significado de "projecto" nos outros países que referiu. Lembre-me o Prof. J. Cachado que tem quase o dobro da minha idade quando é que em Portugal houve um plano a médio/longo prazo para alguma coisa...

Em relação à verdade, conheci uma vez uma pessoa senegalesa que numa conversa sobre as vidas me disse: "... o problema é que aqui em África ninguém fala a verdade." Confesso que quase todos os dias me lembro desta frase quando oiço qualquer responsável de alguma coisa a assumir uma explicação em público, sendo os nossos governantes o melhor exemplo desse comportamento. Ouvimos os responsáveis dos maiores derrotados deste torneio (Alemanha e Holanda) virem a público dizer "Perdemos porque o adversário foi melhor e porque...etc. etc." E pronto, lá continuaram a vida porque acreditam neles, nos seus projectos, estão certos que irão vencer outras coisas e as populações acreditam neles...

Rui Telmo disse...

O grande perito local de futebol (que passa mais horas a estudar a bola do que a resolver os problemas de Sintra) não deve estar de acordo consigo. Ao Seara não lhe convém que o Cachado tenha razão. Mas tem. E o comentário do Ricardo Duarte encaixa-se que nem uma luva.

Rui Telmo

Anónimo disse...

Se não houver bons
resultados no futebol é o desespero completo para o Sócrates.
Desta vez até deu prejuízo
a ida à África do Sul.
O único que ganhou
foi o treinador.
Foi um grande negócio.
Cidálio