[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 3 de outubro de 2010


Bancarrota Sócrates

Ao contrário do que possa parecer, não são apenas José Sócrates e Teixeira dos Santos os delirantes incompetentes - na expressão de alguns comentaristas - a quem, desesperados perante tanta incapacidade de gestão das crises interna e internacional, os portugueses devem apontar o dedo. Vítimas de tantos tratos de polé, esquecem o outro vértice do triângulo que, além destes dois, define o lugar geométrico de tanta incapacidade e desleixo.

Naturalmente, refiro-me a Victor Constâncio. Depois das provas prestadas na gestão da coisa pública portuguesa, também ele – a exemplo de Guterres, farto do pântano, e de Barroso que já dera tudo o que podia ao país da tanga – tratou da vidinha, ocupando um posto de vice-presidente no Banco Central Europeu, cuja benevolente direcção se limitou a acolher um português, que estava na calha das rotações de cargos, ignorando as credenciais que os deputados da oposição ao governo de Lisboa puseram em causa no parlamento de São Bento…

Curta é a memória, de facto. Tão curta é que muitos portugueses já esqueceram a ligeireza com que o banqueiro do povo – ainda não satisfeito com aquilo que foi considerada deficiente regulação e supervisão da banca comercial portuguesa que, em última instância, lhe competia assegurar em nome do mesmo povo – se apressou a sancionar a estratégia de intervenção do Governo no BPN, avaliando em 800 milhões de Euros o valor do previsível esforço dos contribuintes na operação.

Afinal, a cerca de 4.000 milhões - quantos submarinos? - já monta o descalabro em que redundou aquilo que muitos consideram um caso de polícia… Na realidade, a sua retirada para o BCE não podia ter sido mais estratégica, evitando-lhe o imenso incómodo do desgaste da imagem pessoal, que aconteceria inevitavelmente se tivesse permanecido por cá.

Que fazer?

A evidente bancarrota Sócrates é designada como certidão de óbito e marcha fúnebre entre outros títulos congéneres da imprensa destes dias. Já não há economista que não afirme serem insuficientes as brutais medidas anunciadas uma vez que, no próximo ano, em resultado da inevitável recessão subsequente, não se conseguirá gerar a riqueza bastante, sequer para satisfazer os juros do serviço da dívida…

No entanto, fazendo ouvidos moucos à evidência da razão que estas vozes prenunciam, os delírio dos responsáveis das nossas catacumbas, continua impelindo-os na aposta de concretização das obras desmesuradas que a realidade da condição económico-financeira do país não comporta nos anos mais próximos. Para além da falta de discernimento que revelam, envergonha-nos que, tão irracional e perigosamente, ainda mais comprometam o futuro da comunidade.

Perante artistas deste calibre o que fazer? Cada vez mais, e com maior convicção, se ouve a opinião de que devemos preparar os nossos filhos e netos para abandonarem esta piolheira o mais cedo e precocemente possível, ao encontro de um quadro de vida onde possam fazer render os talentos inatos e adquiridos. Ao fim e ao cabo, tratar-se-á de continuar a engrossar o caudal daqueles que, lá fora, são tão bons como os melhores, em todos os campos de actividade.


Cá dentro, afinal, só estarão condenados à saída para outras latitudes? Será que a preocupação com uma boa educação dos jovens para a cultura humanística e tecnológica e para a vivência dos valores da liberdade, igualdade e solidariedade não é compatível, intramuros, com a prática, desta classe política, de tão baixo estrato, que despreza e agride os princípios da justiça social, limitando-se – com toda a coragem!... – ao sacrifício dos mais desprotegidos, para poupar os ricos e poderosos?

E, em Sintra, o que fazer para não agravar a situação e actuar de acordo com a estratégia que se impõe, ou seja, de cortes decisivos na despesa, que o governo afirma pretender mas não dá sinais encorajadores e, muito menos, decisivos?


(continua)

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Nos dias 25 e 30 de Abril deste ano, publiquei os dois textos seguintes, subordinados aos títulos Bancarrota? Se calhar… e Bancarrota dois que, como poderão (re)verificar, infelizmente, não perderam oportunidade porquanto, desde então para cá, a situação ainda mais se agravou pela mão dos responsáveis do costume.

Aí vai a transcrição.


A bancarrota?
Se calhar...
[25.04.2010]

Para vos dizer com toda a franqueza, apesar de me considerar pessoa interessada e informada acerca de tudo o que, a nível nacional e internacional, se vai sabendo relacionado com a lusa vidinha, não previa que, tão rapidamente, tivesse de andar neste desassossego galopante dos últimos dias, tentando adivinhar o comportamento dos principais mercados internacionais.

Para que conste, não tenho contas em paraísos fiscais nem jamais comprei qualquer papel na bolsa. Preocupação tão estranha deve-se, pois certamente, à necessidade de perceber o verdadeiro estado da nação, em especial, no que às contas diz respeito, uma vez que é mentiroso e susceptível da maior desconfiança o discurso oficial do estado a que isto tudo chegou.

Felizmente, já há muitos anos, aprendi a descodificar os mecanismos da especulação, a montante da avidez de certas instâncias, sem rosto nem bandeira, que se perfilam na sombra dos juros agiotas das operações overnight, ou no campo de batalha monetarista, em que autênticos predadores, pretendendo abater determinada moeda, isolam do grupo o seu elo mais fraco para, tal como na caça, mais facilmente poderem matar a peça…

Não deixa de ser sintomático que, a tentativa de saber o que se passa cá dentro, deva pressupor o acesso ao que se escreve e diz lá por fora. Que ironia! No preciso dia em que comemoramos trinta e seis anos do Vinte e Cinco de Abril, dou por mim a fazer o mesmo que fazia no dia 24, ou seja, tentando sintonizar outras fontes, porque as do regime, não são credíveis...

Enfim, como assim é, logo que posso, lá estou, vorazmente, ou com o The Economist, tentando digerir, nas linhas e entrelinhas, as referências mais explícitas e implícitas ao caso português ou, por exemplo, num blogue do The New York Times, com Simon Johnson, em tempos economista-chefe do FMI, a considerar, sem escândalo nem surpresa, que a Grécia e Portugal são mais arriscados do que a Argentina em 2001.

Multiplicam-se os manifestos do descrédito internacional através do testemunho de insuspeitos especialistas. É o Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, no El Pais, advertindo quanto à possibilidade de Portugal e a Espanha sofrerem processos de falência análogos ao da Grécia. É Nouriel Roubini, o guru que previu a crise global em que estamos mergulhados, chegando ao ponto de, no seu site, escrever que Portugal e a Grécia até poderão ter de abandonar a união monetária.

Sabem o que passou a acontecer-me nas horas que precedem a reabertura dos mercados, à segunda-feira? Perante perspectivas tão alarmantes, fico num autêntico frenesim. Interrogo-me se será desta que – tal como já fizeram na Grécia, com o sucesso que se conhece – os especuladores internacionais conseguem, também neste elo mais fraco que é Portugal, manipular o Euro a seu bel-prazer, atirando-o para o desgraçado buraco que os governantes, com os habituais óculos cor de rosa, recusam ver.

Porém, aí estão os avisos, pelas mais respeitadas vozes. Quem tem a coragem de afirmar que são profetas da desgraça? Quem quer cair nesse ridículo? Pois bem, apesar dos sinais de alerta, continuamos ouvindo a insistência na concretização do aeroporto de Alcochete, nas linhas de tgv sem qualquer hipótese de rendibilidade, bem como na nova travessia do Tejo. Que falta de lucidez! Que cegueira é esta, de braço dado com as grandes construtoras?

De facto, andamos a viver acima das nossas possibilidades. Há demasiado tempo. Acho que andamos mesmo a brincar com o fogo. Até que, um dia destes, provavelmente, numa das próximas segundas feiras, alguém nos irá acordar para o pesadelo bem real da mais negra situação financeira, que nenhuma comunidade gostaria de encarar. Mas, será que temos de levar com o descarnado murro da bancarrota? Quem dera que não...


Bancarrota dois

[30.04.2010]

Retomo o artigo A Bancarrota? Se calhar..., aqui publicado no dia 25 de Abril que, como terão verificado, não poderia ter sido mais premonitório. Mesmo não sendo economista nem jamais ter investido na bolsa, houve quem me dissesse que, só por horas, não acertei na mouche.

De qualquer modo, não assumo quaisquer capacidades divinatórias nem proféticas e, neste última acepção, muito menos de profeta da desgraça. Se bem se lembram, escrevia eu que andava num desassossego desgraçado, prevendo que uma segunda-feira, mais ou menos próxima, acordaríamos para o pesadelo da iminente bancarrota. E, sem grande margem para erro, desenhei a estratégia dos habituais predadores.

Pois eles continuam por aí, por tal se entendendo não só os que estão sediados na outra margem do Atlântico mas também os seus agentes ,nas praças fortes do centro da Europa, em Frankfurt e Milão. Continuam e de que maneira! Aliás se bem se derem ao trabalho de ir acompanhando as vozes que nos vão chegando, terão reparado que já avisaram: apesar de muito sérios, os casos da Grécia e de Portugal são muito menos preocupantes do que o de Espanha...

Como se depreende, trabalho não lhes falta. As peças de caça, os famosos pigs,* quais acossados javalis, tentam escapar, pedem auxílio desesperado aos coitos do costume. Todavia, um deles – o que, precisamente, dá aquele p inicial à sigla de fama tão má – cada vez mais, se põe a jeito do definitivo golpe.

De facto, não se percebe. Ou, pelo menos, eu não consigo perceber. Como se ainda fosse necessário, demonstrou-se à evidência como é angustiante a situação financeira do país. Incapaz de produzir a riqueza bastante e, para satisfazer os compromissos decorrentes do serviço da dívida, já não tendo outro remédio senão o recurso sistemático a créditos alcavalados dos juros elevadíssimos impostos pelas impiedosas agências de rating, Portugal aí está, irremediavelmente à mercê de todos os ataques.

A exemplo dos mais desgraçados devedores, está o país a pedir emprestado para pagar o que pediu emprestado… É a incontornável, a menos desejável espiral que cerceia os horizontes e compromete o futuro das gerações que nos seguem. Pois nada disto parece impressionar os governantes que temos, incapazes de cobrarem à banca o que, cheios de fanfarronada, impõem aos cidadãos indefesos. Nada disto parece impressionar um governo incompetente, sem a mínima táctica para o enquadramento da economia paralela que, totalmente, foge ao controlo do Estado.

Com base no que afirmara o Ministro das Finanças, ainda ousámos esperar que, finalmente, se suspenderia a falsa estratégia desenvolvimentista sustentada nas desconformes obras públicas. Ou seja, as auto-estradas que ficam desertas, o aeroporto que iria substituir o da Portela que está muito longe da saturação e que pode funcionar em articulação com o Montijo (para as low cost), o tgv até Madrid, que jamais produzirá qualquer rendimento directo…

Houvesse disponibilidade financeira, e facilmente daria de mão que tais obras até poderiam ser equacionadas. Mas, a realidade é totalmente oposta. Não temos para mandar cantar o cego. Pois, ainda assim, pela boca do inefável Ministro das Obras Públicas, ficámos a saber que, afinal, o monstro de treze mil milhões de Euros irá mesmo para a frente…

Tanta estupidez! Tanta falta de lucidez! Perante a ignorância institucionalizada, ao mais alto nível, não só estamos diante da mais desentranhada e suicida estratégia mas também daquilo que designaria como bancarrota dois, o descalabro, o verdadeiro desgoverno, a cegueira irracional que os poderes constitucionais parecem incapazes de suster.

Ainda há quem se admire com a emigração dos jovens de trinta e quarenta anos, partindo de armas e bagagens, abandonando esta proverbial piolheira da cultura do desleixo. Há séculos que assim é. Partem, sempre partiram os melhores de nós. O melhor que fizemos, fizemo-lo lá por fora, surpreendendo o mundo com uma capacidade que, aqui, dentro de fronteiras, não somos capazes de impor aos medíocres.

Será este o tal luso fado? PS: Com o futuro assim comprometido, não admira as peregrinações a Fátima, em ano de visita papal, ou a Santiago de Compostela em ano Jacobeu. De facto, se não nos valem os santos da corte celeste, acabamos mesmo muito mal…

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* No sintradoavesso, referi-me aos designados pigs, pela primeira vez, em 6 de Janeiro de 2010, no texto intitulado Sócrates + Seara=desânimo ____________________

3 comentários:

Alberto Lemos disse...

Boa tarde João Cachado,
Falando de memória curta era bom recordar quem foi o ministro das Finanças do primeiro governo de Sócrates: Prof. Engº Luís Campos e Cunha que depois de poucos meses, não teve para aturar o chefe. Naquele momento já Campos e Cunha afirmava que era um erro avançar com TGV e aeroporto.
É das poucas pessoas que viu a tempo o que estava para acontecer e até afirmou que Sócrates é pouco inteligente. Disse que o rei vai nu mas a multidão não quis ver. Eu acrescento: não se percebe como chegou a 1º Ministro um tipo sem qualquer nível nem curriculo. A propósito o Guterres também é muito culpado por lhe ter dado tanto a mão.
Parece que nunca houve em Portugal um 1º Ministro tão incompetente e tão odiado. Os ricos e poderosos podem aguentar as consequências mas o povo sofre e muito com o governo deste homem.
Alberto Lemos

Pedro Távares disse...

Caro Prof. João Cachado,
Já uma vez aqui escrevi e hoje repito que o Dr João Cachado é muito certeiro nas suas críticas à situação política geral.
Ontem foi muito especial porque o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa depois se referiu ao caso do BPN e à emigração como solução do mau momento em que Portugal está. Exactamente como o Prof. João Cachado tinha escrito mas antes dele.
Aprecio os comentários do Prof. Marcelo que é do PSD mas quando coincide com o Prof. João Cachado que é de esquerda, tenho a certeza que nenhum erra.
Parabéns embora o momento não seja de alegria.
Pedro Távares

Ana Ferreira disse...

Dr. João,
Enquanto não se acabar com as despesas que se podem evitar mesmo a sério o país não sai desta situação. Sou da sua opinião e tenho a certeza que em Sintra se pode poupar muito dinheiro acabando com as empresas municipais. Se for preciso fazer um baixo assinado para acabar com elas eu sou a primeira a assinar.
Cumprimentos,
Ana Ferreira