[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 4 de março de 2011



Seniores e juniores


A situação de grande convulsão na Líbia trouxe à ribalta da comunicação social nacional e internacional a vergonha que foi o convívio, quando não conluio, dos mais conhecidos líderes políticos, de todas as latitudes, com um absurdo e anacrónico ditador como o coronel Khadafi que, não obstante o seu passado longínquo e mais recente de patrono do terrorismo internacional, conseguia juntar à mesa personalidades tão distintas como o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal.

Entre nós, que me lembre, a imprensa não registou qualquer veemente protesto. Ao nível político, apenas a Dra. Ana Gomes, diplomata de carreira – sublinhe-se, porque a circunstância do enquadramento profissional ainda mais notabiliza a sua denúncia – teve a coragem bastante para levantar a voz contra a ignomínia da atitude do Dr. Luís Amado, também Ministro de Estado, que, na famosa tenda do tirano, comemorou os quarenta anos do regime revolucionário líbio, em representação do povo português.

Se, no mundo da política, ao mais alto nível, nos deparamos com situações deste género, que nos envergonham pela falta de dignidade e de verticalidade, pois não menos degradantes, mas no âmbito da vida financeira portuguesa, se evidenciam alguns mais ou menos recentes episódios. Por exemplo, o do caso de João Rendeiro, ex-Presidente do Banco Privado Português que, com a sua controversa gestão, terá protagonizado um verdadeiro caso de polícia, era imbecilmente apontado, por certa classe de jornalistas que o promovia inusitadamente, quase como um mago da grande finança, espécie de Rei Midas.

Em ambas as situações, para além da flagrante e tríplice falta de discernimento, frontalidade e coragem, muito preocupante também se evidenciam as gerais e lamentáveis lacunas de preparação de toda uma classe de profissionais da comunicação social que, de facto, devido à sua incapacidade, não está à altura de assumir a função de alerta cívico cometida ao famoso quarto poder nos Estados Democráticos de Direito.

Sem dúvida, para que tal situação se verifique e vá florescendo, muito tem contribuído a sistemática dispensa de grandes valores de uma geração de conhecidos e competentes jornalistas seniores, implicitamente impedidos de transmitir, aos colegas mais novos, toda uma cultura e deontologia profissionais na primeira pessoa.


Quem se der ao trabalho de sintonizar os canais televisivos de noticiário internacional, depara com muitos homens e mulheres maduros, alguns bem entrados nos anos, que são grandes referências para os candidatos à profissão e novos colegas. Nada disso acontece em Portugal. Esquecemo-nos que cumpre capitalizar o saber dos mais experientes. Ora bem, como a experiência não se improvisa e está indissociavelmente ligada ao tempo que passa e à idade de cada um…

Se quiserem aceitar a analogia, lembrem-se do tremendo prejuízo social que se vai acumulando nas nossas distorcidas sociedades e traduzindo na impossibilidade de os avós transmitirem aos netos a cultura da família. Assim vamos muito mal porque todos perdem e, se alguma coisa se transforma, é para pior.



[NB: este texto foi objecto de uma série de comentários inadvertidamente eliminados. O meu pedido de desculpa aos autores]

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