[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 19 de outubro de 2011


Chostakovitch,
na Gulbenkian, epifania dos quartetos

Como tive oportunidade de anunciar, a Gulbenkian proporcionou ao público português, nos passados dias 9, 11, 12, 16 e 17 deste mês, a oportunidade de aceder à integral dos quartetos de Dmitri Chostakovitch, na interpretação do Quarteto Borodin, considerado o mais qualificado do mundo neste reportório.


É de propósito que acabo de escrever público português e não público da capital, já que esta proposta é de tal modo rara que, de facto, deveria ter suscitado interesse nacional, reclamando deslocações até Lisboa dos verdadeiros melómanos de todo o país. Seria assim em qualquer latitude civilizada desta nossa Europa. Infelizmente, e, como é habitual acontecer no Grande Auditório da Av. De Berna, o público acorreu muito escassamente e, apenas no último dia, compôs a sala.

É, inquestionavelmente, nestes quinze quartetos, que somam algumas das mais densas seis horas de toda a História da Música ocidental, que o compositor russo dá a conhecer a profundidade mais autêntica da sua personalidade, declaradamente, nos seus aspectos mais compósitos, eclécticos e controversos.

Naqueles excepcionais fins de tarde de glória, quem não veio até à Gulbenkian dir-me-á que pode aceder a este incomparável núcleo de peças da música contemporânea através das gravações disponíveis. Não contradirei. Claro que eu também as tenho. Mas, alguma vez, me passaria pela cabeça não estar presente, no preciso e irrepetível momento em que esta Arte se refaz, na verdade do directo, que jamais alguma gravação proporcionará?

Os quartetos abrangem quase quatro décadas, entre 1938 e 1974. Nestas peças está plasmada toda uma série de momentos da rica e biografia do grande artista e cidadão, que viveu constantemente na corda bamba, fazendo um percurso pessoal conturbadíssimo, com três casamentos, ao longo de um período em que, a nível político, tão determinante para a sua carreira, pontificaram Estalin, Khruschev e Brejnev.

Quem conhece a obra de Chostakovitch percebe o que pretendo partilhar. É que nas outras componentes da sua obra, nunca o compositor foi tão ao fundo de si próprio, atingindo esta seriedade e tanta verdade. Foi esta proposta de convívio na Arte que nos trouxeram os Borodin, agrupamento ao qual o autor confiou informações determinantes para a interpretação destas composições, que têm sido escrupulosamente transmitidas durante os sessenta anos de vida deste conjunto de câmara.

Ainda vamos no princípio da temporada 2011/12 e a Gulbenkian já averbou este tão marcante sucesso. Por muito tempo, vão ressoar os efeitos destas audições. Se querem saber, passada esta semana, sou um homem algo diferente. Estou muito mais rico, facto nada despiciendo neste período de austeridade e de recessão…


NB:
Se quiserem aceder a uma gravação, só têm de ir à minha página do facebook. Subordinada a este mesmo texto, lá encontrarão o primeiro andamento do Quarteto no. 15, precisamente pelo mesmo agrupamento. É uma verdadeira maravilha.

1 comentário:

Pedro Soares disse...

Caro J. Cachado:
Para mim é uma música difícil de entender e pouco acessível. Compreendo que quem sabe a sério de música como o João Cachado possa apreciar e escrever estas palavras de tanta satisfação. Conheço «outro» Chostakovitch que é o autor daquela valsa que serve de música de fundo ao filme "De olhos bem fechados" de que gosto muito. Cumprimentos,
Pedro Soares
PS: fui ao fb para ouvir a música. Porque não coloca a música no blogue?