[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 11 de dezembro de 2011

No Tua,
a minha e a tua dignidade

Estragar o pouco que resta, é o sugestivo e inequívoco título do artigo de José Pacheco Pereira ontem no jornal Público, a propósito do que poderá estar prestes a acontecer no vale do Tua se, como tudo indicia, se concretizar a construção da controversa barragem. Trata-se de um texto de belíssimo recorte, em que as suas impressões actuais, suscitadas por vivências pessoais daquele espaço ímpar que a memória lhe registou, impregnam e vitalizam a denúncia de uma degradação ambiental que marca Portugal de lés a lés.

“(…) O que temos no vale do Tua, o rio, o vale, a linha ferroviária, o equilíbrio da terra, da água, das escarpas, da vegetação, do vento, da solidão agreste, é hoje único em Portugal. Ou seja, não há mais. Acaba-se com o vale do Tua e, com excepção de alguns trechos fluviais, muito mais pequenos e sem a dimensão agreste do Tua, já não existe nada de semelhante em lado nenhum. Estamos diligentemente a acabar com outro destes vales, o do Sabor, pelo que sobra apenas o Tua (…)”.

É bem verdade. Só quem não teve o raro privilégio de ainda ter viajado por aqueles carris, não pode dar este testemunho. Contudo, apesar de encerrada a linha, ainda se mantém intacta a mesma rude afirmação dos elementos, que Pacheco Pereira refere no parágrafo supra do texto aludido, que importa salvaguardar a todo o transe, numa luta que sendo já tremendamente tardia, ainda é possível coroar de êxito.

Bem sei, em relação ao que há década e meia, aconteceu em Foz Coa, que, actualmente, o quadro socioeconómico e político, o próprio perfil dos protagonistas, constituem factores altamente desmotivadores de qualquer esperança do sucesso que gostaríamos de alcançar no Tua. De facto, apesar de muito medíocre, naquela altura, a nível do executivo, a classe política nacional estava representada por um governo do Partido Socialista, liderado por António Guterres.


Um António Guterres, Primeiro Ministro, Manuel Maria Carrilho, Ministro da Cultura, tinham gabarito para suster a barragem. E demonstraram-no, como homens de Estado, por palavras e actos. Já José Sócrates e Gabriela Canavilhas – cujo estatuto de Ministra, neste e noutros casos, de nada lhe valeu – estavam muito longe da capacidade dos primeiros. Em relação ao vale do Tua, Sócrates e Canavilhas, por palavras, actos e omissões, não só confirmaram a responsabilidade pelo desmando, mas como se ainda preciso fosse, também o baixo estrato da classe política a que pertencem.

Nada mais. Como seria de esperar, muito naturalmente, quanto ao governo actual, apenas houve alteração de matizes cromáticos, substituído que foi o rosa pelo laranja… Nada mais. A mediocridade continua. Acerca do caso vertente, Passos Coelho nem se pronuncia, num silêncio que grita o chocante alheamento. Francisco José Viegas, Secretário de Estado bem tenta salvar a face mas, nitidamente, não está municiado.

E nós, cidadãos eleitores desta gente desqualificada, que fazemos? Vamos continuar a autorizar que estes eleitos continuem na senda do crime ou, na atitude cívica que podemos assumir, vamos juntar-nos a quem já está organizado na luta contra projecto tão pernicioso? Para quem ainda não tomou consciência, cumpre lembrar que, por aqui, passa a cidadania, a participação cívica, a migalha que pode fazer a diferença entre a indiferença e a dignidade. Tão simples como isto!


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