[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 4 de fevereiro de 2012

René Jacobs,
em busca do autêntico


Salzburg, 2 de Fevereiro
Mozartwoche, 2012

Meu Caro José Manuel Anes,

Este pequeno apontamento só podia tê-lo a si como destinatário. E, no contexto da minha estada em Salzburg, por ocasião da Mozartwoche 2012, só a possibilidade de poder trazer-lhe notícia do seu René Jacobs, determinaria este modesto escriba à ousadia de intermediar relação tão especial entre o maestro e o meu caro amigo.

Pois, José Manuel Anes, ontem à noite, na mítica Grosse Saal da Fundação do Mozarteum de Salzburg, René Jacobs dirigiu a prestigiada Camerata Salzburg num programa eminentemente clássico, compreendendo a ‘Sinfonia em Ré Maior Hob. I: 104, Salomon’, de Joseph Haydn e, do divino, o ‘Concerto em Lá Maior para Clarinete e Orquestra, KV 622’ bem como a ‘Sinfonia em Ré Maior KV 385, S Haffner’.

Como sabe, fundada por Bernhard Paumgartner em 1951 e, entre 1978 e 1997, dirigida pelo saudoso Sandor Végh, esta preciosidade de orquestra de câmara tem o ‘Klang’ de Salzburg no mais alto grau - assim um 33º na escala de João Cachado… – portanto, digníssimo agrupamento, à altura da intervenção de Jacobs que, tal como ‘o outro’, tão imperador como este, chegou, viu e venceu.

Sem entrar em detalhes para os quais, infelizmente, também não me sobra tempo, dir-lhe-ei o que mais importante me parece. É que, tal como estamos habituados, mais uma vez fez o trabalho em que é perito, qual seja o da limpeza das partituras das obras que veio dirigir dos «parasitas» de leituras mais ou menos romantizadas que, para nosso espanto, continuam a fazer um caminho que só prejudica o serviço a que, entre outros, têm direito Amadé e Haydn.

Assisti a leituras das mais eficazes – no caso da ‘Haffner’, talvez mesmo a mais eficaz – que já presenciei, em especial, aqui em Salzburg e nesta mesma sala. Um respeito absoluto, sem cedências, a todos os efeitos solicitados pelos compositores, por exemplo, nas pausas, por mais longas e incómodas que pareçam, leitura «so-le-tra-da» da intervenção dos timbales, repondo toda a verdade inicial. Um assombro, cumpre sublinhar.

Como verificou pela leitura do programa, também tivemos o Concerto para Clarinete, cujo solista Jorg Widman, é muito querido por aqui mas não tão prendado, por exemplo, como a sofisticadíssima Sabine Meyer, ‘die Göttin’ a deusa, de acordo com o epíteto que colegas lhe atribuem. Mas foi muito bom e a direcção do seu RJ, mais uma vez, impecável.

Uma nota final para o comportamento do público. Não vamos pensar que, por estarmos em Salzburg, estamos isentos de alguma arrogância, sobranceria e, pasme-se, até certa dose de ignorância que afecta o comportamento da audiência, não raro, a reagir mais friamente, porque lhe roubaram determinado efeito, um dos tais «parasitas», a que estava habituada. Se ontem isso também sucedeu, não chegou para beliscar sequer o brilho do trabalho a que me reporto.

Finalmente, não ouso sequer propor a ilustração mais afim deste escrito que lhe deixo com amizade e franca admiração. Deixo ao seu bom gosto essa tarefa que, ao contrário do que muitos dos nossos amigos possam pensar chega a ser bastante ingrata.Um grande e fraternal abraço,

João Cachado

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