[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 21 de maio de 2012

 
 
François Hollande,
Francisco de Holanda
 
 
(texto inicialmente publicado no facebook em 8 do corrente)


Toda a gente sabe que os nomes próprios não se traduzem. Porém, para efeito desta despretensiosa nota, dá imenso jeito verter para Português o nome de François Hollande, recém-eleito Presidente da Répública da França.

Claro que não é difícil perceber porquê. O nosso Francisco de Holanda, preferivelmente Francisco d’Olanda, nascido e falecido em Lisboa (1...
517-1585), foi um Humanista do mais alto gabarito, pintor, ensaísta, arquitecto e historiador, uma das mais notáveis figuras do Renascimento em Portugal que, portanto, leva uma incomensurável vantagem sobre quem, até agora, teve um discretíssimo percurso político.

Se quiserem aceder às páginas mais doutas acerca do perfil e obra do nosso Olanda, poderão procurar na bibliografia da especialidade, as referências que lhe fizeram, por exemplo, Henrique Pais da Silva – a personificada probidade, inteligência e amor à causa da divulgação do saber científico que, em 1966, foi meu professor de História da Arte na Faculdade de Letras de Lisboa – e o meu amigo Victor Serrão que, actualmente, é a mais autorizada voz do Maneirismo português.

Apenas umas pinceladas breves para lembrar que começou a sua actividade artística como iluminurista, na senda do que fazia seu pai, António d’Olanda, iluminador régio. Entre 1538 e 1547 esteve em Itália, abeirando-se do grande Vitoria Colonna, integrando um grupo que lhe permitiu contacto com Parmigianino, Giambologna e, pois claro, o mais notável, o próprio Miguel Ângelo.

Com o intuito de que acedam a uma resumida parte do pensamento de Francisco d’Olanda, permitam que transcreva um excerto de um artigo de Pedro Calafate:

“(…) Como escreveu no Tratado da Pintura, a sua obra de maior consistência teórica, a ideia é responsável pela invenção de uma «segunda natureza», concebida interiormente, plasmada no intelecto e fruto do engenho. Assim, a beleza é encarada num contexto que permite equacionar uma profunda aliança entre a estética e a metafísica. Por isso, para Francisco de Holanda,
Deus é a fonte de toda a pintura, sendo também ele o primeiro pintor. A criação é por si encarada como um dar forma pela luz, recuperando a metafísica da luz do platonismo, concebendo por isso a criação como uma função plástica animante, correspondendo a um modelo ou ideia previamente formulado no intelecto divino, tema já sublimemente afirmado por Sto. Agostinho ao estabelecer que Deus não connhece as coisas porque elas existem, mas que as coisas existem porque ele as conhece.

Nestes termos, a pintura humana consiste num criar de novo, numa função plástica inanimante, pois que o pintor «encerra em si aquela ideia criada no entendimento criado, com que imita ou quer imitar as divinas ciências incriadas com que o muito poderoso Senhor Deus criou todas as obras» (…)”.

Deixou-nos os desenhos da série “Antiguidades de Itália”, estudou a fundo matérias afins da reconstituição do património arqueológico dos Romanos e da Arte Italiana na primeira metade do século dezasseis. Também de sua autoria é o projecto da fachada da igreja de Nossa Senhora da Graça em Évora.

Escreveu “Da Pintura Antiga”, um tratado de pura divulgação da obra de Miguel Angelo e, facto muito curioso, foi autor do primeiro ensaio acerca do urbanismo na península Ibérica, subordinado ao título "Da fabrica que falece a cidade de Lisboa". Entre outras, ainda o exemplo de duas obras através das quais é possível aquilatar da sua mestria no Desenho, alguns l "De Aetatibus Mundi Imagines" e "Antigualhas".

Rematarei com referência a Da Pintura Antiga (Lisboa, 1548), e Lembrança Ao muyto Serenissimo e Christianissimo Rey Dom Sebastiam: De quãto Serve A Sciencia do Desegno e Etendimento da Arte da Pintura, na República Christam Asi na Paz Como na Guerra (Lisboa, 1571).

Se, no seu métier, o legado que François Hollande deixar à posteridade se aproximar sequer destes tão notáveis contributos de Francisco d’Olanda, então, poder-se-á dizer que muito auspiciosa foi a sua eleição…
 
 

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