[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 26 de novembro de 2012



Heliodoro Salgado,
ainda por resolver
[Parte I]



[Mais uma vez, um assunto que, só na aparência, pode ser entendido como restrito ao local. A exemplo do que tenho tentado evidenciar, a análise sistémica da questão faz-nos concluir que, muito naturalmente, o caso tem incidências a montante e a juzante. Eis a transcrição parcial do texto publicado na edição de 16.11.12 do 'Jornal de Sintra'.]



"(...) Naturalmente, recuso a ideia de, tão só, me deter no caso Heliodoro Salgado – cuja transformação em espaço pedonal não está em causa – na medida em que isso constituiria um afunilamento incompreensível em relação à metodologia de abordagem que tenho observado, que sempre privilegia uma análise sistémica.
(...) se bem se lembram, uma das questões focadas que, neste momento, mais me convém evidenciar, reportava-se à dificuldade com que se processam alguns fluxos de trânsito no coração da sede do concelho. Difícil seria deixar de replicar sem recorrer à estafada, mas eficaz, analogia entre a circulação sanguínea e os fluxos de pessoas e mercadorias nos circuitos urbanos.

De facto, como as avenidas, ruas e travessas obedecem à coerência e lógica do quadro fisiológico, claro está que a introdução na circulação de qualquer obstáculo – como foi o corte de uma artéria com a importância da Heliodoro Salgado – promoveu a mais significativa perturbação, induzindo uma lógica outra, com inevitáveis consequências ao nível da fluidez do trânsito das pessoas e mercadorias, quer a montante, quer a jusante.


Uma coisa é certa, ou seja, uma vez que tudo se modificou, preciso era encontrar uma solução que, sensivelmente, melhorasse as condições de operacionalidade do tráfego local. Ora bem, foi isso que, de modo algum aconteceu. Ao fechar a via, avançou-se para um labirinto de irracionalidades com efeitos nocivos a vários níveis.

Por isso, ao fazer um diagnóstico de situação, na perspectiva da análise sistémica, logo salta à vista que, ao tempo do encerramento da rua, as interdependências e as interacções seriam muito mais fortes e evidentes do que, em princípio, se terá concluído. Julgo que, com alguma precipitação, se fechou a Heliodoro Salgado, não cuidando das consequências de uma intervenção de tal escala, numa zona tão crítica da urbe. O resultado está à vista.
Pedonal mas sem peões...

A zona pedonal da Heliodoro Salgado está muito afectada, talvez ferida de morte desde o início. Além de esteticamente polémico, o projecto terá sido concretizado com manifestas e lamentáveis deficiências técnicas, num cúmulo de circunstâncias tão negativas que, consequente e infelizmente, jamais se poderá comparar com os espaços análogos que conhecemos noutros contextos nacionais e lá por fora.

A propósito de comparações e, a título de mero exemplo, apenas um parêntesis para breve nota a lembrar que, dentre as zonas pedonais mais famosas e sofisticadas do mundo, a Getreidegasse de Salzburg, é uma simples rua, com passeios laterais e tudo, como qualquer outra, onde automóveis e camions podem aceder e circular nas horas autorizadas para cargas e descargas, em que nada, absolutamente nada, foi alterado em relação ao espaço inicial, sem qualquer mobiliário urbano. Haverá solução mais corriqueira e tão barata?

Findo o parêntesis, volto à Heliodoro Salgado. Aqui, a imagem que me ocorre é a do sarcófago– imagem a que o meu querido e saudoso amigo Bartolomeu Cid dos Santos ripostava com a sua de necrópole… – que, desgraçadamente, já ceifou alguns dos comerciantes locais ali instalados ao tempo da alteração, depois de terem sido condenados à mais lenta das mortes. E, paradoxo dos paradoxos, cumulativamente, lida-se com a bruta evidência da gritante falta de gente a circular na artéria. [Hoje, terça feira, pelas dez e meia da manhã, contei onze pessoas atravessando-a sem se deterem.].


Então, na via liberta de automóveis, os peões conversando, convivendo, não era, precisamente esse, o grande objectivo do projecto?... E, como não, se nada convida à permanência? E, como não, se o pavimento chega a ser perigoso, com um historial bem recheado de episódios de valentes trambolhões? E, como não, se, em dias de chuva, devido à indesejável mas perversamente conseguida impermeabilização do referido pavimento, se formam linhas de grossa água que encharcam os pés de quem, contrariando a enxurrada, se aventure a subir a rua? E, como não, se o espaço conquistado para os peões é nitidamente inóspito, desagradável, cinzentão, nada tendo a ver com quaisquer conotações com os paradigmas de Sintra?

(Continua)



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