[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 22 de agosto de 2012



Por caminhos ínvios
 
Em especial, depois da eclosão da crise, muito naturalmente, nos fomos habituando a verificar o aumento do trânsito de automóveis ligeiros nas estradas nacionais que percorremos. Mas, meus caros amigos, nunca como anteontem, ao fim da manhã, circulando na estrada nacional entre Alcácer do Sal e zona da Marateca, me apercebi do aumento absolutamente esmagador de veículos cujos condutores, na mesma via, mas em sentido contrário, fazem opção idêntica.

É a penúria a escancarar as entranhas da crise e a demonstrar a falência dos megalómanos projectos rodoviários com que políticos de todos os quadrantes partidários comprometeram o futuro do país. Os números são eloquentes. O tráfego de veículos ligeiros nas AE tem-se reduzido dramaticamente. O cenário de auto-estradas desertas é confrangedor. O investimento de milhares de milhões de euros foi absolutamente suicidário e está a resultar num prejuízo escandaloso para os contribuintes.

É, escusadamente, o horror instituído num país onde uma boa e coerente rede de vias rápidas - incomparavelmente mais consentâneas com as características nacionais, tanto a nível dos limitadíssimos recursos como da própria geografia - teria resolvido os grandes problemas de trânsito e circulação de pessoas e de mercadorias.

Quem isto mesmo escreveu e propôs, enquanto Ministro da Economia dos II e III Governos Provisórios, foi Rui Vilar, alguém que, na verdade, tem estofo de homem de Estado e que, há quase quarenta anos, percebeu não ser este o caminho das soluções para a rodovia portuguesa. Enfim, não era solução que pudesse enquadrar as estupendas negociatas que as auto-estradas sempre acobertam…

Muito recentemente, com o caso da empresa Tecnovia, que estará prestes a dispensar cerca de 500 trabalhadores, voltou à carga o discurso da pseudonecessidade de construção daquela AE entre Sines e Beja que nos custaria bem mais do que mil milhões. Veja-se como empresários e autarcas coincidem no mesmo irresponsável discurso… Partindo do princípio de que se tratará de um eixo primordial, ligando Sines ao interior da Península, a ninguém terá passado pela cabeça a solução da via rápida? E a ferrovia, vai ou não vai avante?

Claro que ficamos preocupadíssimos com mais esta perspectiva de desemprego que atingirá centenas de famílias. No entanto, precisamente a propósito deste sector, já se chegou à conclusão de que até nem sobra mão-de-obra se esta for afecta à beneficiação e reconstrução do gigantesco e degradado parque imóvel nacional, através de pequenas e médias empresas, dinamizadoras do tecido social. Se o horror que estamos a viver já é totalmente insuportável, porque não vemos passos decisivos neste sentido?

Mas, em geral, o que podemos nós esperar do gabarito dos decisores políticos que temos elegido, ou seja, de gente que, a montante, com a maior incompetência, ignorou os sinais da crise global e nos conduziu ao descalabro do estado de bancarrota e, a jusante, de desqualificados pseudoliberais que, nem por sombras, conseguem entender a situação que era suposto dominar e, muito menos, alterar de acordo com soluções justas e oportunas?

Infelizmente, cumpre assumir que, só na aparência, estão funcionando com regularidade as instituições do Estado Democrático de Direito. Nem o Presidente da República exerce o «magistério» que dele se espera, nem o Parlamento legisla e controla a actividade do Executivo, com a qualidade que os eleitores têm direito, nem o Governo toma as medidas que se impõem. Quanto ao Poder Judicial, com os seus calamitosos atrasos, é o que se sabe e, em relação ao designado «quarto poder», o da comunicação social livre, chegou-se a um ponto verdadeiramente preocupante.


domingo, 19 de agosto de 2012

Maçonaria,
coerência ou hipocrisia?



À pergunta "Sois Maçon?", quantos iniciados poderão responder de acordo com a substância da réplica canónica "Os meus Irmãos, me reconhecem como tal"? 

Enquanto os mais radicais valores e princípios maçónicos não determinarem os maçons das várias obediências às indispensáveis operações de separação das águas – natural e necessariamente, sempre concretizáveis no quadro das instituições maçónicas previstas para o efeito – o que, em muitas Lojas, vai prevalecendo é uma flagrante situação de hipocrisia nada articulável com os valores e princípios com que cada um está comprometido.

 N
o meu caso particular, por exemplo a multiplicar pelo de muitos outros Irmãos, não tive outra solução que não fosse a de solicitar o quite, tal não significando que, juntamente com aqueles que estão na na mesma situação, não me empenhe na alteração do actual estado das coisas. Aliás, com o maior desassombro, cumpre dizer que, ao contrário do que, infelizmente, até parece, a Maçonaria Portuguesa não é um cói de oportunistas desqualificados.

De facto, aliás como em todas as instituições em que a fraqueza humana tem fértil terreno para evidenciar o que de pior suscita, há membros da maçonaria – ambiciosos espiões de terceira categoria, politiqueiros que mais se assemelham a fanqueiros de capelista ordinária, gente capaz de cozinhar uma licenciatura em três tempos e de outras habilidades tão ou mais causadoras de escândalo – que foram iniciados na Augusta Ordem Maçónica por puro engano de quem tinha o dever de zelar pela qualidade das admissões.

Urge que, sem qualquer margem para equívoco, aconteça o indispensável, ou seja, que as instituições maçónicas funcionem de acordo com a Constituição e Regulamentos maçónicos, limpando dos seus quadros os obreiros que, manifestamente, por falta de qualidades mínimas, tanto prejuízo têm causado a uma organização que, afinal, ao longo de séculos, tantos motivos de orgulho tem para declarar, quer a nível nacional quer internacional.

De uma vez por todas, tem de funcionar o mecanismo de defesa institucional que garanta a qualquer maçon digno da sua filiação, a possibilidade de não se confundir com trafulhas, traficantes e quejandos habilidosos, sempre à espreita da oportunidade de se infiltrarem no seio de grupos de cidadãos, como a Maçonaria, que, com a sua probidade, lhes cubram os desígnios mais baixos. Em geral, perversamente, tais trafulhas, traficantes e outros habilidosos, não são encarados como tal por uma sociedade em crise, pouco atenta aos valores éticos e prestes a aceitar tais manigâncias como testemunho de empreendedorismo, de espírito de iniciativa e capacidade de decisão.

Suicídio seria manter, integrados na Ordem, tais indivíduos como se, na realidade, algo de inadmissível, não se tivesse passado. Se a opinião pública tem direito à plena satisfação do esclarecimento que se impõe, então, muito mais determinantemente, a esmagadora maioria dos maçons, deseja-o a todo o transe.
 
 
 
Mozart,
todos os nomes
 

Tendo reparado nas coordenadas de identificação das gravações das primeiras sinfonias de Mozart que venho propondo, alguém me perguntava um dia destes se, afinal, Mozart também se chamava Johannes. Como já não é a primeira vez que me colocam questões pertinentes acerca deste assunto relacionado com os nomes próprios e de família, quero hoje desfazer todas as dúvidas.

Mozart foi baptizado na Catedral de Salzburg às dez e meia da manhã do dia 28 de Janeiro de 1756, no dia seguinte ao do seu nascimento com o nome Johannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus. Os primeiros nomes, Johannes Chrysostomus, devem-se ao facto de Mozart ter nascido no dia em que a Igreja celebra a festa de São João Crisóstomo que foi Patriarca de Constantinopla e santo patrono dos evangelistas.

O nome Wolfgang foi-lhe dado em memória do avô materno, Nikolaus Wolfgang Pertl (1667-1724). Theophilus era o nome do padrinho, Johann Gottlieb Pergmayr (1709-1787), conselheiro municipal e comerciante de Salzburg. Importa esclarecer que o nome grego Theophilus é sinónimo dos nomes germânico Gottlieb e latino Amadeus.

Wolfgang começou por se designar a si próprio como Wolfgango Amadeo em 1770 por ocasião da sua viagem a Itália e, a partir de 1777, durante toda a vida, como Wolfgang Amadé. De facto, só depois da morte, é que passou a ser conhecido como Wolfgang Amadeus Mozart.
 
 
 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012




Distinção da Câmara Municipal de Sintra


"Parabéns pela medalha. A Cãmara aprovou . É merecida. Muito merecida. Um abraço".

[Fernando Seara, 16.08.2012]


Meus caros amigos,

Como poderão verificar através da mensagem subscrita pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra, a autarquia acaba de me distinguir com a medalha do concelho.
 

Naturalmente, não posso estar mais sensibilizado e grato ao Prof. Fernando Seara e aos Senhores Vereadores. Deste modo, em representação da comunidade sintrense, confundem-me sobremaneira já que, se algum mérito tem revestido a atitude cívica por mim protagonizada, esse entendo-o eu apenas como um dever a exercer com a independência que, constantemente, reclamo.

Quanto muito, tenho tentado, isso sim, estar à altura do privilégio de Sintra.





[publicado no facebook, no dia 14 de Agosto]


Curiosamente, esta sinfonia em Lá Maior KV 114, datada de Salzburg, aos 30 de Dezembro de 1771, é a primeira que Wolfgang Mozart compôs depois da morte do Príncipe Arcebispo Sigismund Christoph [Conde] von Schrattenbach que ocorrera quatro dias antes. Tal não significa que, oficialmente, seja esta a primeira que escreve ao serviço do novo Príncipe Arcebispo Hieronymus Joseph Franz de Paula [Conde] Colloredo von Wallsee und Melz, já que a sua eleição apenas será reconhecida em 14 de Março do ano seguinte.
 

Impõe-se ter presente que, independentemente do modo como as coisas evoluirão, até conhecerem o desfecho de 1781 que todos sabemos, a relação inicial entre o compositor e o seu novo patrono não podiam ter sido mais promissora. E tanto assim foi que, apenas em oito meses, portanto, até Agosto de 1772, altura em que deixa Salzburg para se dirigir novamente a Itália, à capital da Lombardia, para se concentrar na sua nova ópera “Lucio Silla”, Mozart compõe para Colloredo nada mais nada menos do que oito sinfonias e tão impressionado este ficou que anunciou ao jovem compositor novas e melhoradas condições salariais.

A obra, muito sofisticada, evidenciando um particular encanto, estrutura-se nos habituais quatro andamentos, 1.Allegro moderato, 2.Andante, 3.Menuetto/ Trio e 4.Molto allegro para uma instrumentação que compreende 2 flautas, 2 oboés, 2 trompas e cordas.

Novamente, passam a dispor de uma interpretação da Mozart Akademie Amsterdam siob a direcção de Jaap Ter Linden.

Boa audição
!

sábado, 11 de agosto de 2012






[Texto publicado no facebook em 10 de Agosto]


Esta Sinfonia em Sol Maior, KV 110/75b, foi composta em Salzburg em Julho de 1771 e, aparentemente, para que Wolfgang a levasse na bagagem durante a sua seguinte viagem a Itália, que teria lugar entre Agosto e Dezembro de 1771.
 
Trata-se de uma peça com os quatro andamentos da ordem – 1.Allegro, 2.Andante, 3.Menuetto/Trio e 4.Allegro – cujo primeiro é, nem mais nem menos, com os seus cerca de seis minutos e meio de música, o mais longo Allegro que o compositor escrevera até àquela altura. A instrumentação reparte-se pelas cordas habituais, 2 oboés, 2 trompas, 2 fagotes, 2 flautas e contínuo. Não existe informação detalhada quanto à estreia da obra sendo provável que tenha sido tocada, pela primeira vez, num concerto em Milão, no dia 22 ou 23 de Novembro de 1771.

Com certeza que já terão percebido não pretender eu entrar em pormenores da composição que considero de evitar em função das as características do trabalho, tão só de divulgação, que tenho vindo a promover, apenas preocupado com o enquadramento geral de cada uma das sinfonias. No entanto, de vez em quando, tanta é a vontade de chamar a vossa atenção para determinados pontos que não consigo resistir a fazê-lo.

É assim que vos convidaria para uma atenta audição do Allegro final, o andamento mais curto da sinfonia mas, de qualquer modo, o de maior ebulição e energia. O efervescente tema principal que se eleva para logo cair graciosamente, parece não ter outro objectivo que não o de repetir e repetir o processo. Na breve secção média, um registo tranquilo, quase onírico, alterna com uma música tumultuosa, agitada, entusiástica. Bem, meus amigos, «isto» só aparentemente é muito fácil…

A interpretação está a cargo da Mozart Akademie Amsterdam, sob a direcção de Jaap Ter Linden.

Boa audição!



Como reparar a iniquidade?

[texto publicado no facebook em 8 de Agosto]


 “Com origem em diversos quadrantes, é opinião corrente que, afinal, o governo tinha encontrado uma solução muito talentosa para se financiar em dois mil milhões de euros, com o patriótico objectivo de cumprir o estabelecido com a 'Troika', até que o Tribunal Constitucional veio estragar tudo. Já toda a gente estava descansadíssima, com os chupistas dos funcionários públicos e pensionistas a resolverem um assunto tão incómodo e, agora, acontece isto…


(…) Eis os funcionários da Administração Pública transformados em indefesa mas perfeita vítima. Eles, cujos vencimentos deveriam estar cobertos por verbas resultantes dos impostos – que, incompetentemente, a comunidade não consegue cobrar, porque o sector privado gera uma riqueza avaliada em ¼ do PIB que, em simultâneo, o mesmo sector privado subtrai ao fiisco através dos canais da fraude e da economia paralela – são imolados no altar de uma comunicação social, lamentavelmente, tão deficiente, tão falha de profissionalismo que, entre nós, de maneira alguma, cumpre o papel de quarto poder que lhe está reservado nas sociedades democráticas. (…)”


Subordinadas a esta epígrafe, que resulta da transcrição do texto “Funcionários públicos, tão à mão…”, que subscrevi e publiquei nestas páginas em 2 do corrente, eis mais algumas considerações acerca do mesmo assunto que está longe da mais elementar, digna e justa reparação. Assim:

1.Na sua essência, o acórdão do Tribunal Constitucional veio confirmar aquilo que, desde sempre, se revelava como evidente, ou seja, que a medida oportunamente decidida pelo executivo, de subtrair os subsídios de Natal e de férias, apenas aos funcionários públicos e pensionistas, violava o princípio constitucional da Igualdade;

2.Nos termos do citado acórdão, a concretização da medida referida só pode ser entendida, sem margem para quaisquer dúvidas, como um acto de confiscação aos cidadãos visados que, com enorme frustração, manifesta indignação mas disciplinadamente, foram as vítimas indefesas de um processo iníquo, perpetrado à manifesta revelia de um dos mais respeitáveis princípios do Estado Democrático de Direito;

3.Assim tendo acontecido, não há forma de o Estado se subtrair à obrigação de reparar o mal que causou. Seja qual for a modalidade que possa revestir, impõe-se que tal compensação aconteça, para reposição daquilo que se designa como regular funcionamento das instituições uma vez que, apesar de o poder executivo ter promovido uma solução errada, e que o poder legislativo a tivesse sancionado no Parlamento, o poder judicial, chamado a pronunciar-se através do TC, de facto e de jure, veio repor a normalização;

4.Várias modalidades pode revestir o processo de reparação em referência de tal modo que o Estado não deixe de ressarcir os cidadãos que foram vítimas de uma má decisão do Governo. Uma, por exemplo, poderia revestir a forma de reembolso através de Títulos do Tesouro ou de Certificados de Aforro, dentro de um prazo exequível e sempre consentâneo com o estado de penúria das finanças públicas;

5.Em alternativa, poderá o Governo considerar, como inequívoco crédito, a quantia anteriormente avançada por cada um dos cidadãos espoliados, e, nesses termos, ordenando o seu abate ao esforço que, a breve trecho, poderá ser solicitado a todos os trabalhadores contribuintes dos sectores público e privado. De todo em todo, se a solução final não pressupuser esta sugestão, deverá prevalecer a que se regista e alvitra no anterior ponto 4.;

6.De qualquer forma, jamais poderá suceder que as vítimas de uma medida governativa julgada inconstitucional não sejam ressarcidas dos danos causados, danos esses que, perversamente, resultaram em benefício de toda a comunidade. Então, a que título aceitaria a comunidade em geral, beneficiar de uma medida que, com tanta evidência, lesou os interesses de tão significativo número de seus concidadãos?

7.De facto, no que respeita aos contornos da situação gerada, o quadro actual ainda permanece como resultante da perversão dos mecanismos do Estado Democrático de Direito. A verdade é que há milhões de vítimas. No específico caso dos pensionistas, não só são credores de verbas que lhes foram sonegadas, mas também foram lesados por quebra de contrato, já que tais verbas tinham sido confiadas ao Estado, nos termos de contrato celebrado 'de bona fide', para que, ao longo de dezenas de anos, o Estado beneficiasse com a sua capitalização, e jamais prevendo que a pessoa de bem que, em princípio o Estado é, tão descarada e inopinadamente, pudesse não honrar o seu compromisso.






[Texto publicado no facebook em 7 de Agosto]


No que respeita à obra que hoje trago à vossa consideração, a verdade é que, em definitivo, nenhum estudioso conseguiu garantir tratar-se de inequívoca composição de Wolfgang Mozart. E tanto assim é que, em algumas colectâneas, pura e simplesmente, não aparece nenhuma sinfonia com este número de ordem. No entanto, se for de sua autoria, só poderia ter sido escrita em Milão ou Bolonha no ano de 1770.
 
Se um inicial manuscrito de Viena atribui a obra a Mozart, cópias posteriores, já datadas do século dezanove, apontam-na como tendo sido composta por Leopold Mozart ou Carl Dittersdorf. O musicólogo Neal Zaslaw, a quem recorro tão frequentemente, considera que uma comparação dos resultados de duas análises estilísticas do primeiro andamento da peça com análises de primeiros andamentos, de outras obras do mesmo período, inquestionavelmente genuínos dos três compositores, sugerem que Wolfgang deverá mesmo ter sido o compositor da Sinfonia No. 11 em Ré Maior KV 84/73q.

A sinfonia tem três andamentos – 1.Allegro, 2.Andante e 3. Allegro molto – verificando-se a ausência do Menuetto/Trio habitual, considerando uma instrumentação distribuída por cordas, 2 oboés, 2 trompas, fagote e contínuo.

Não disponho de referências da gravação que vos proponho.

Boa audição!
 

[texto publicado no facebook no dia 7 de Agosto]


As características do papel que os compositores usavam para a escrita da sua música eram deveras importantes para se determinar, com rigor, a datação das suas obras. No caso de Mozart e, em particular, da Sinfonia que hoje nos ocupa, sabemos que o papel em que ficou registada é o mesmo que utilizou durante a viagem a Roma em 1770, deslocação esta que faz parte de uma série de três viagens a Itália que, intermitentemente, concretizou entre 1769 e 1773.
 
Estamos no período em que, invariavelmente, Mozart escreve obras em tom maior. No caso vertente, em Sol Maior, esta é uma sinfonia curta, de mais ou menos oito minutos, para dois, oboés, duas trompas e cordas, em dois andamentos, 1.Allegro-Andante e 2.Allegro. A secção Andante não foi composta como um andamento separado, mas como segunda parte do andamento de abertura.

Pouco tempo depois, Mozart embarca numa peça quase revolucionária, a oratória ou ‘azione teatrale’
“La betulia Liberata”, verdadeira obra de charneira já que, com dela, entra no espírito do movimento pré-romântico do ‘Sturm und Drang’. Cumpre ter em consideração estes matizes para que se entenda até que ponto vai o «classicismo» - não só de Mozart, mas também de Haydn e Beethoven, expoentes máximos da designada Primeira Escola de Viena - que, a partir do início do último quartel do século dezoito, adquire cambiantes do maior interesse.

A gravação que vos proponho continua a cargo da Mozart Akademie Amsterdam, sob a competente direcção de Jaap Ter Linden.

Boa audição!
 

quinta-feira, 2 de agosto de 2012


Funcionários públicos,
tão à mão…



Com origem em diversos quadrantes, é opinião corrente em certos meios que, afinal, o governo tinha encontrado uma solução muito talentosa para se financiar em dois mil milhões de euros, com o patriótico objectivo de cumprir o estabelecido com a Troika, até que o Tribunal Constitucional veio estragar tudo. Já toda a gente estava descansadíssima, com os chupistas dos funcionários públicos e pensionistas a resolverem um assunto tão incómodo e, agora, acontece isto…

Comparado com o slôgane ‘os ricos que paguem a crise’, isto é muito mais sofisticado. Durante anos e anos, incomparavelmente mais do que os grandes detentores do capital, os trabalhadores da Administração Pública foram perfeitamente diabolizados, como se, na sua actividade, estivesse sediado todo o mal que consome as entranhas do Estado, tanto a nível nacional como local.

Como é que, em Portugal, haveria de ser diferente? Está claro que, tanto no sector público como no privado, aliás, como em todas as latitudes, há excelentes, bons, regulares, maus e péssimos trabalhadores. É escusado andar à procura dos cidadãos cuja exposição e características de enquadramento laboral se revelarem «mais a jeito», no sentido de, escandalosamente, lhes atribuir «culpas» que justifiquem a transferência para si de medidas cujos benefícios abranjam toda a sociedade.
Basta! É altura de dizer não ser possível continuar com esta atitude, enfrentando quem verbaliza discurso tão contundente quanto melindroso.

Quanto aos supostos privilégios dos trabalhadores do sector público, já nos esquecemos de que, durante décadas, ganharam significativamente menos do que os outros? Com respeito à estabilidade do posto de trabalho? Se alguma vez aconteceu, meus senhores, já foi… Veja-se o que está a acontecer com professores – atenção, não os contratados, a quem, perversamente, não foi concedida a possibilidade de criarem um vínculo com a Administração, mas a profissionais dos quadros! – sem funções lectivas atribuídas e com o lugar em risco? E, a propósito da carreira docente, já nos esquecemos dos estágios de dois anos não remunerados?

Já nos esquecemos de que, na sequência do processo de descolonização, este país acolheu dezenas de milhar de funcionários públicos que inflaccionaram os quadros da «metrópole» e que, a médio e longo prazos, tiveram a consequência perversa do retardamento da progressão nas carreiras durante dezenas de anos dos funcionários que cá estavam e tão prejudicados foram? Portanto, que o funcionalismo público resolveu, no seu seio, problemas sociais gravíssimos que teriam atingido proporções inusitadas não tivesse sido um exemplar e profundo sentido patriótico e de sacrifício?

Já nos esquecemos de que uma grande maioria dos trabalhadores do sector público é bastante mais qualificada do que a restante, uma vez que é o Estado que tem de suprir os vencimentos de centenas de milhar de licenciados indispensáveis ao funcionamento da máquina? Médicos, professores, milhares e milhares de técnicos, engenheiros, veterinários, arquitectos, investigadores, juristas, magistrados, diplomatas, militares, etc, etc, repete-se, todos licenciados? E que, assim sendo, está claro que a média dos seus vencimentos é superior à do sector privado?

Num país marcado por uma incomensurável cultura de desleixo, em que o sector público, muito mais do que o privado, está sujeito a um escrutínio de inequívoca visibilidade, dá um jeito incrível generalizar e potenciar exponencialmente os sinais e sintomas menos positivos que, de facto, por todo o lado aparecem para que, bem explorados por «opinion makers» mal informados, mal intencionados e, nalguns casos, mesmo desonestos, sejam apresentados à comunidade como bodes expiatórios ideais.

Eis os funcionários da Administração Pública transformados em indefesa mas perfeita vítima. Eles, cujos vencimentos deveriam estar cobertos por verbas resultantes dos impostos – que, incompetentemente, a comunidade não consegue cobrar, porque o sector privado gera uma riqueza avaliada em ¼ do PIB que, em simultâneo, o mesmo sector privado subtrai ao fisco através dos canais da fraude e da economia paralela – são imolados no altar de uma comunicação social, lamentavelmente, tão deficiente, tão falha de profissionalismo que, entre nós, de maneira alguma, cumpre o papel de quarto poder que lhe está reservado nas sociedades democráticas.

Estamos mergulhados na cultura de promoção da mentira mais vil. Institucionalizou-se o escândalo e o descalabro. Claro que «programa» tão sinistro não é de agora, alguns políticos que bem conhecemos, perante o mais evidente silêncio dos cidadãos, nos trouxeram até tão baixo nível. Mas este governo bem pode orgulhar-se de tudo estar fazendo no sentido de promover as atitudes mais negativas e menos correctas, minando os mais nobres valores comunitários e inviabilizando o futuro. Que, para o efeito, também esteja a sobrecarregar os trabalhadores da função pública a um ponto absolutamente vergonhoso e aviltante, eis o que jamais deveria acontecer.


[texto publicado no facebook em 31 de Julho]


Sempre que a minha estada coincide com um 31 de Julho, dia de aniversário da morte de Franz Liszt (1811-1886), passo pelo cemitério a deixar-lhe uma flor. E, conforme seja possível, recolho-me a ouvir a peça que, embora longe da minha querida Bayreuth, hoje não deixo de escutar e de vos propor.
Liszt planeou a sua Eine Faust-Sinfonie a partir das figuras de Faust, Gretchen e Mephisto, arquétipos do Fausto  de Goethe mas, em contraste com os seus outros poemas sinfónicos, não se trata de obra programática, na medida em que o compositor assumia que o público das salas de concerto conhecia perfeitamente o texto, motivo pelo qual, aparentemente, não pretenderia condicionar a receptividade da música através de conotações literárias.

Esta sinfonia para orquestra e coro masculino baseia-se no estudo de três personagens. Enquanto que o primeiro andamento é um retrato multifacetado do Faust, o segundo é dedicado a Gretchen e ao seu amor por aquele e o terceiro a um Mephisto que aparece como contraponto de Faust, nos termos do qual, uns a seguir aos outros, os temas de Faust se apresentam distorcidos e segmentados.

Em 1857, seguindo o conselho da sua amada, a Princesa Carolyne zu Sayn-Wittgenstein, Liszt introduziu um coro masculino que entoa as últimas linhas do Faust II: “(…) Alles Vergängliche ist nur ein Gleichnis… Das ewig Weiblich zieht uns hinan” ou seja, em tradução livre, ‘Tudo o que é transitório, efémero, é apenas um reflexo… O eterno feminino, esse sim, indica-nos o caminho”.

A Sinfonia Fausto de Liszt foi estreada em 5 de Setembro de 1857 em Weimar e, embora considerada como uma das mais importantes obras sinfónicas do século dezanove, é rarissimamente apresentada nos auditórios e, assim sendo, permanece como um das menos conhecidas composições de Liszt.

Riccardo Muti, dirige a Wiener Philharmoniker, Michael Schade é o tenor e o coro é o da Konzertvereinigung Wiener Staatsoper, numa gravação de Agosto de 2009.

Boa audição!
 
 
 
 
 
NB:Há longos intervalos entre os andamentos

Começo hoje a publicar uma série de pequenos textos introdutórios de enquadramento muito sumário de todas as sinfonias de Mozart por ordem cronológica da sua composição.

A Sinfonia No. 1 em Mi bemol Maior, KV. 16, foi escrita em Londres, no Verão de 1764, na altura em qiue a família se via retida na cidade devido a um problema de saúde do pai. O compositor, aos oito anos, já era conhecido por essa Europa como um menino prodígio embora, até então, tivesse composto pouca música.

A obra que seria estreada em 21 de Fevereiro do ano seguinte, destina-se a dois oboés, duas trompas e cordas, tem três andamentos, 1. Molto allegro, 2. Andante, Dó Menor e 3. Presto.

O aspecto mais curioso desta peça é que, no Andante, tocado pela trompas, o garoto utiliza o famoso motivo de quatro notas que aparece no Finale da sua última sinfonia, a No. 41. As quatro notas, Dó, Ré, Fá, Mi, foram consideravel e frequentemente usadas por WAM, aparecendo em várias obras, incluindo as sinfonias no. 33 e a já mencionada 41.

Não disponho de coordenadas da gravação que vos proponho. Boa audição!



http://youtu.be/b4IXXpTHjok