[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 30 de novembro de 2013


Sintra, transporte colectivo turístico,
um caso, muitos casos



[Transcrição do artigo publicado na edição de 29 de Novembro de 2013 do ‘Jornal de Sintra’]

O transporte colectivo de passageiros, que facilite e promova o acesso dos visitantes aos locais turísticos, nas melhores condições de operacionalidade e de conforto, é assunto de importância primordial, numa comunidade com as características de Sintra. Infelizmente, no entanto, precisamente em Sintra, ainda estamos muito longe de que tal aconteça.

Actualmente, como não sentir o maior desalento, por exemplo, quando nos confrontamos com cenas de perfeito atravancamento das ruas e estradas de Sintra, em consequência da circulação de um meio de transporte colectivo, na versão de sightseeing sobe e desce, de dimensões manifestamente desadequadas à das vias por onde circula? Já repararam ser impossível cruzar-se com qualquer veículo, implicando em constantes cenas de pára-arranca-recua-encosta à berma?

Ao ver o vermelho mastodonte a romper por esses caminhos de Seteais, Monserrate, Castelo dos Mouros ou Pena e, ao fim e ao cabo, a interromper, entupir e dificultar a vida a toda a gente, maior é o desalento porque se trata de uma solução relativamente recente, que se instalou em contraciclo relativamente às medidas que, há tanto tempo, urge concretizar, privilegiando soluções que não podem deixar de ser adoptadas.

Ao longo de anos, o Jornal de Sintra tem acolhido muitas páginas da colaboração que subscrevo, nomeadamente, acerca de hipóteses de resolução de problemas nestes domínios sem que, até hoje, alguém as pudesse contradizer, alegando inadequação, impossibilidade de concretização ou manifesto impedimento de outra ordem qualquer. E, de facto, se assim acontece é porque apenas tento contribuir com alternativas absolutamente credíveis porque concretizadas em conhecidos, famosos e análogos locais.

Funiculares, para quando?

O equacionamento dos funiculares, por exemplo, sempre se apresentará com flagrante oportunidade. Lá está um dos tais exemplos que, há cerca de doze anos, tenho abordado e advogado com frequência. Em determinada altura, mais precisamente no princípio de 2008, houve quem tivesse confundido, funicular com teleférico, circunstância aquela que me determinou à escrita de um artigo publicado na edição de 15 de Fevereiro de 2008, do qual me permito aproveitar algumas passagens, não sem que actualize uma ou outra situação.

O teleférico, enquanto meio de transporte capaz de vencer distâncias e desníveis consideráveis, não pode implantar-se num ponto inicial, enquadrado por tecido urbano, em direcção a um palácio umas centenas de metros mais acima. O impacte das sapatas de alicerce das torres de suporte dos cabos, tanto ao nível do solo como de toda a paisagem em geral, os problemas de segurança e outros parâmetros que seria fastidioso enumerar, remetem o teleférico para operação de transporte de pessoas e de mercadorias em zona de montanha flagrante, relativamente afastado de aglomerados populacionais.

Mas é perfeitamente possível, em meio urbano, transportar pessoas, com grande conforto e segurança, vencendo desníveis muito significativos, sem qualquer impacte ambiental, entre um ponto de partida, a escassos metros de uma grande catedral barroca e o de chegada, em pleno coração da mais bela fortaleza da Europa. Ou entre um edifício, praticamente contíguo a um dos maiores e mais prestigiados auditórios do mundo e um belíssimo e moderno Museu implantado no cimo do monte.

Operacional, discreto, barato

Isto é possível através de funicular, que opera total e discretamente, em carril adossado ao monte cujo desnível vence nos dois sentidos, ascendente e descendente. E os exemplos que acabei de citar, no parágrafo anterior, conheço-os há dezenas de anos, a funcionar em Salzburg, cidade cujo património edificado é impressionante, classificada como Património da Humanidade. Em circunstâncias idênticas, poderia mencionar não sei mais quantos exemplos. Mas sempre de funiculares, nunca de teleféricos. Ainda há poucos dias, numa das suas recentes viagens, Fernando Castelo nos mostrava outro tão famoso como paradigmático exemplo, no Lago de Como, em Itália.

Já não sei quantas vezes escrevi acerca das soluções que teriam de ser consideradas por um sistema integrado de transportes em Sintra, sempre com recurso ao funicular como meio mais barato, seguro e expedito para, a partir da zona da Ribeira, com estação intermédia na Vila Velha, aceder ao Palácio da Pena. Ou, por outro lado, a partir da zona do Ramalhão, vencer a encosta do monte que conduz a Santa Eufémia. Ou de Seteais, de Monserrate, também em direcção ao Palácio da Pena. É uma solução testada, civilizada e, repito, o que pressupõe menor de investimento.

Quero acreditar que, em tempo oportuno, quem de direito, portanto, o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra - radicado numa perspectiva sistémica que a solução para os problemas de transporte e estacionamento em Sintra não poderá deixar de privilegiar - acabará por anunciar a instalação de um ou mais funiculares que os estudos aconselharão.

Lembraria que um desses trabalhos, onde se propunha a solução funicular em Sintra, precisamente nos parâmetros que supra referi, no âmbito do qual tive oportunidade de me envolver, foi conduzido pelo Prof. Sidónio Pardal, engenheiro agrónomo, arquitecto paisagista e urbanista que, em Sintra, se deu conta de como este meio de transporte colectivo tão bem se adequava ao perfil da terra.

Finalmente, mais uma vez, me cumpre sublinhar que esta e outras soluções apenas serão viáveis no enquadramento de uma visão integrada em que, por exemplo, a instalação dos parques periféricos de estacionamento seria condição sine qua non de promoção de todo um coerente programa de transportes colectivos e particulares, em articulação com um civilizado regime de cargas e descargas, condicionamento de acesso automóvel ao centro histórico e aos pontos altos da Serra, etc.

Enfim, os anos passam e vamos tendo direito a que estas coisas, que acontecem em todas as latitudes civilizadas, também aconteçam em Sintra. Os tempos de austeridade que atravessamos só podem constituir ainda maior determinação para respostas de qualidade, com a máxima contenção, para os problemas em apreço, para resolução dos quais contamos com a proverbial capacidade do Senhor Presidente da Câmara no sentido de cativar os imprescindíveis investidores.

[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
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A propósito de funiculares, nem sei porque, no artigo supra, não mencionei o caso de Capri, que conheço perfeitamente. Acabo de passar por lá, precisamente nesta semana. Quem tiver a famosa Capri em consideração, mal concebe como, tão facilmente, se sai do barco e, num instante, se está no centro da cidade que fica umas boas centenas de metros acima… Não fora este recurso, quantas voltas, quanto tempo para vencer a distância e o acidentado terreno?


 

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