[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 17 de fevereiro de 2013




TEMPO LIVRE [INATEL]
A minha colaboração na revista

Utilizar sucessivamente a seta até chegar ao artigo, a duas páginas (16 e 17), subordinado ao título Do Carnaval à Páscoa, tanta viagem...
Na verdade, transcrevi recentemente este artigo aqui no facebook. Parece, no entanto, que terá passado mais ou menos desapercebido. Mais uma vez, passo a propor o texto de que sou autor e que, estou em crer, ainda não perdeu a oportunidade.

Se me derem o gosto da visita, poderei acrescentá-los aos leitores dos 143.283 exemplares da revista
.
 
 
 



Há mais de cinco anos, foi vandalizado e parcialmente roubado um fontanário do bairro da Estefânea, em Sintra. Os serviços municipais removeram-no.
Sem que soubessem os cidadãos qual tinha sido o destino da peça, afinal, a Câmara Municipal de Sintra tratou da reabilitação que se impunha.
Na semana passada, finalmente, foi reposto o fontanário no local, depois de um competente trabalho de recuperação. Porque faltou a informação? Descuido ou prática habitual?

 

 [Transcrição do artigo publicado na edição de 15 de Fevereiro de 2013 no  Jornal de Sintra]

Direito à informação

All’s well that ends well ou, em Português, Bem está o que bem acaba, enfim, não há quem não diga e repita. Não só é provérbio mas também título de uma tão problemática peça de William Shakespeare que, ainda hoje, se hesita em continuar integrando-a no conjunto das comédias ou, pelo contrário, no das tragédias do dramaturgo. Raramente representada, All’s well that ends well, tem todos os ingredientes para que a sua leitura seja um gratificante desafio, razão pela qual aqui fica o conselho.

Embora o objectivo deste artigo nada tenha a ver com Literatura Inglesa ou com Teatro Inglês, perceberão imediatamente a pertinência do preâmbulo, na medida em que justifica a evidência da adequação daquelas palavras, tanto na lusa língua como na da doce Albion, se tornar presente o seu uso quando se pretende afirmar que, perante uma situação problemática, deixa de haver problema, pura e simplesmente, porque a sua resolução terá sido positiva e, portanto, a contento de todos.

Pois bem, ao partilhar convosco algumas considerações sobre um problema cuja sumária abordagem permitirá concluir se o referido aforismo se lhe aplica, parece-me conveniente, e mesmo importante, não perder a oportunidade para reflectir um pouco acerca das circunstâncias que originaram o caso que me interessa e não outro qualquer.

Um caso exemplar

Neste momento, trazendo às colunas do Jornal de Sintra a reposição do fontanário da Estefânea, entre o Largo Afonso de Albuquerque e a Correnteza, apenas me interessa chamar a atenção para uma situação, que tendo-se prolongado e arrastado durante alguns anos, é paradigma de uma atitude, infelizmente, muito comum em Portugal. Como já terão entendido, refiro-me à flagrante ausência de qualquer tipo de comunicação institucional que, em tempo oportuno, tivesse satisfeito o direito dos cidadãos à informação.

Sem entrar em detalhes – acerca dos quais, de qualquer forma e, para todos os efeitos, cumpre elucidar devidamente por quem de direito – a verdade é que do local que ocupava no espaço público, foi subtraído à comunidade um dos seus bens patrimoniais, sem que, tanto na Junta de Freguesia como na Câmara Municipal, algum responsável tivesse sentido a evidente e natural necessidade de esclarecer fosse o que fosse.

Se, em si, a ausência de informação é preocupante, muito mais o é pelo que indicia de descuido e desconsideração dos serviços em relação aos fregueses e munícipes que, há mais de cinco anos, tendo sido confrontados com o desaparecimento da peça, na sequência da sua remoção pelos serviços camarários, não mereceram, repito, a atenção da explicação a que tinham e têm direito. E tudo isto é tão mais pertinente quanto se sabe que, cada vez mais, as pessoas estão alerta a circunstâncias que tais.

Contra o silêncio

É muito gratificante perceber que, por todo o país, apesar de algum eventual atavismo, os cidadãos se preocupam com o que acontece ao património comum quando há necessidade de qualquer intervenção. Por vezes, como é do conhecimento geral, tão grande é o mal entendido e o receio de que as peças levem um destino menos conveniente, que até tem havido casos de populações que se ergueram contra a hipótese da sua remoção temporária, por exemplo, das igrejas, apesar da manifesta necessidade de restauro.

A noção de pertença comum é muito forte e, assim sendo, preciso é agir com a maior precaução no sentido de não ferir susceptibilidades. Quanto a Sintra – Paisagem Cultural da Humanidade, terra que, além de um património natural riquíssimo, se orgulha de um convívio permanente com as artes plásticas e decorativas do maior gabarito, os cidadãos bem têm demonstrado a verdade desta ideia. Pois, neste caso, ao tentarem obter um qualquer esclarecimento pertinente, foi o silêncio, um pesadíssimo silêncio das instituições, o que obtiveram como resposta, algo de perfeitamente lamentável.

Na realidade, o sucedido é deveras paradigmático da existência de um grave problema de comunicação entre autarquias e cidadãos cuja resolução depende da radical mudança de atitude, mudança que, mesmo aparentemente pacífica, sempre suscitará reacções com as quais, aliás, é necessário saber lidar, uma vez que incluir uma nova norma na quotidiana cultura dos serviços não é coisa fácil.

 Bem está o que bem acaba. Afinal, neste caso da reposição do fontanário, para se adequar totalmente à sentença, falta a componente do esclarecimento, no contexto do direito à informação. E, meus caros amigos, urge que entendamos se, de facto, tal esclarecimento passará a fazer parte das NEPs, ‘normas de execução permanente’ no sentido de contrariar, inequivocamente, a ocorrência de casos análogos.

[João Cachado escreve de acordo a antiga ortografia]


Retratos de Mozart,
ficção e realidade

[Texto publicado no facebook em 16.02.2013]


Recentemente, quando estive em Salzburg, tal como se lembrarão, chamei a vossa atenção para este evento. Por me parecer que o artigo do New York Times é bastante eficaz em relação ao que a exposição pretende, aqui o partilho convosco.
 
 


Exemplar resignação 

[Texto publicado no facebook em 15.02.2013]


Na resignação de Bento XVI, acabo por encontrar um corolário de apaziguamento em relação a uma série de preocupações que me têm inquietado de há anos a esta parte.

A sua decisão é de uma tal seriedade que vem repor, ao nível da dimensão do humano, a missão do pontificado, com uma humildade absolutamente tocante, na assunção de uma interdependência com o mundo da hierarquia
e dos leigos como raramente terá acontecido.

Ele diz-nos que é tão frágil como nós, afirmando-o com uma lucidez de homem livreque, como cada um de nós, carrega a sua Cruz. Ele diz-nos que sai de cena, não por cobardia, mas por respeito por si próprio e por todos nós. Sai para não comprometer a missão que lhe foi confiada.

Por circunstâncias alheias à sua vontade de homem, apenas homem, fisicamente fragilizado, a missão não pode continuar porque a humana razão, manifesta no seu livre e lúcido arbítrio, impede que assim aconteça.

Considera ele, penso eu, que, até este momento, a intervenção do Espírito Santo pôde acontecer nele mas que, a partir deste momento, prosseguir na missão constituiria um desafio incompatível com os desígnios da Obra num mundo tão exigente, tão desafiante e carente de um timoneiro cujas forças o não traiam.

Que fabulosa prova de humildade, que lição para a hierarquia da Igreja, na medida em que pode ser propiciadora e promotora de uma multiplicidade de atitudes análogas que constituem uma esperança da renovação, que coragem perante a actualidade, que coragem perante a História, tanto a do passado recente como longínquo, que coragem perante as consequências da sua atitude no futuro!

Em Latim

E, no âmago de uma tão complexa rede de conexões de toda a ordem, Bento XVI, através do meio que escolheu para divulgar a sua mensagem de resignação, consegue dar uma estupenda lição de cultura e de civilização. Fá-lo em Latim, assumindo e propondo a inequívoca importância de uma matriz fundamental da nossa herança.

A Igreja, sem o Latim, jamais seria a instituição em que se tornou, portadora da herança cultural do direito Romano como travejamento de uma grande casa que Pedro foi incumbido de erguer a partir da pedra que ele próprio era. A «obra» foi edificada em Latim, chegou até nós em Latim.

O Concílio Vaticano II, proclamado por um João XXIII que tinha a seu lado, como progressista mentor, o jovem Padre e teólogo Ratzinger, não pôs de lado, não suprimiu o Latim, antes e apenas o retirou do culto, na medida em que as línguas vernáculas melhor cumpriam a missão de veículo de convívio entre os fiéis e o divino.

O Latim permanece como uma das pedras angulares do edifício, do grande templo, em que, cada um de nós, também assume a sua quota parte de pedra em aperfeiçoamento constante, a caminho da perfeição que é a própria divindade. E, nesta mensagem, o Papa Bento XVI afirma-o como um grito, em especial, lançado à Europa, que parece decidida a perder-se, longe do cultivo das Humanidades clássicas que são a grelha da sua mundividência.

Que estupenda lição!
 
 


Ironia, por favor...

[Texto publicado no facebook em 15.02.2013]
 
 
Ao Francisco José Viegas, pessoa tão estimável, deve ter passado pela cabeça que, tal como Almada ou Cesariny, também ele já tem estatuto para subscrever os impropérios que ontem publicou. E, provavelmente, ainda não tem...

Ora acontece que, nem mesmo no famoso "Manifesto anti Dantas" - que assumiu o estatuto de nacional protótipo dos documentos em que um autor se permite a
titudes que tais - Almada chegou a esta formulação rasteira que roça a ordinarice.

Podia Francisco José Viegas ter atingido o objectivo pretendido, através da ironia, da insinuação, seguindo o exemplo de vários dos nossos maiores cultores da palavra feita Arte em Portugal, jamais pactuando com a desajeitada fancaria de termos soezes ou menos adequados ao contexto da sua intervenção.

A propósito, permitam que vos recorde o caso do Eça que, depois de lhe ter sido inopinadamente cortado o fornecimento da água a sua casa, dirige ao Director da Companhia das Águas, a famosa carta que passo a transcrever.


___________
"Ilus. e Ex.mo Senhor Carlos Pinto Coelho
digno director da Companhia das Águas e
digno membro do Partido Legitimista:

Dois factos igualmente graves e igualmente importantes, para mim, me levam a dirigir a V. Exa. estas humildes regras: o primeiro é a tomada de Cuenca e as últimas vitórias das forças
Carlos Gordostas sobre as tropas Republicanas, em Espanha: o segundo é a falta de água na minha cozinha e no meu quarto de banho.

Abundam os Carlistas e escassearam as águas, eis uma coincidência histórica que deve comover duplamente uma alma sobre a qual pesa, como na de V. Exa., a responsabilidade da canalização e a do direito divino.

Se eu tiver fortuna de exacerbar até às lágrimas a justa comoção de V. Exa., que eu interponha o meu contador, Exmo. Senhor, que eu interponha nas relações de sensibilidade de V. Exa., com o Mundo externo; e que essas lágrimas benditas de industrial e de político caiam na minha bandeira!

E, pago este tributo aos nossos afectos, falemos um pouco, se V. Exa. o permite, dos nossos contratos. Em virtude do meu escrito, devidamente firmado por V. Exa., e por mim, temos nós – um para com o outro – um certo número de direitos e encargos. Eu obriguei-me, para com V. Exa., a pagar a despesa de uma encanação, e aluguer de um contador e o preço da água que consumisse.

V. Exa. fornecia, eu pagava. Faltamos, evidentemente, à fé deste contrato; eu, se não pagar, V. Exa., se não fornecer.

Se eu não pagar, faz isto: corta-me a canalização.

Quando V. Exa. não fornecer, o que hei-de fazer, Exmo. Senhor? É evidente que para que o nosso contrato não seja inteiramente leonino, eu preciso, no análogo àquele em que V. Exa. me cortaria a canalização, de cortar alguma coisa a V. Exa.

Oh! E hei-de cortar-lha!…

Eu não peço indemnizações pela perda que estou sofrendo, eu não peço contas, eu não peço explicações, eu chego a nem sequer pedir água. Não quero pôr a Companhia em dificuldades, não quero causar-lhe desgostos nem prejuízos…

Quero apenas esta pequena desafronta, bem simples e bem razoável, perante o direito e a justiça distribuída: – quero cortar uma coisa a V. Exa.!

Rogo-lhe, Exmo. Senhor, a especial fineza de me dizer, imediatamente, peremptoriamente, sem evasivas nem tergiversações, qual é a coisa que, no mais santo uso do meu pleno direito, eu posso cortar a V. Exa.

Tenho a honra de ser
De V. Exa. com muita consideração
e com algumas tesouras
"

_____

Pois é. Porém, a nem todos Deus Nosso Senhor dotou com tal talento...
 
 


Ao correr da pena

[Texto publicado no facebook em 15.02.2013]


 No Parlamento, sucedem-se as mais descabeladas tentativas de branqueamento do passado, recente e mais longínquo. As que o Partido Socialista tem protagonizado são tão indigentes que metem dó, são rasteiras, foleiras, deselegantes.

Nestas situações, a sofisticação faz imenso jeito. Para isso, no entanto, preciso é que haja um certo lastro cultural - que o PS actual tem vindo a
perder à medida que tem perdido militantes de grande gabarito, na maior parte dos casos, pela lei natural da vida - lastro cultural em que radica a enorme diferença relativamente a posições atávicas e com falta de nível com que, diariamente, somos confrontados.

No entanto, que fique bem claro, ao subscrever estas palavras, não avalizo, de modo algum, a política suicidária que o actual governo tem vindo a conduzir a partir do estado de desastre e de bancarrota em que tomou conta do país.

Infelizmente, como se previa, o actual executivo é incapaz e a sua incapacidade é directamente proporcional à capacidade de destruição do governo Sócrates.

E, meus caros amigos, como tantas vezes tenho opinado, isto assim continuará enquanto não mudar a actual Lei Eleitoral na base da qual esta classe política se perpetua no poder, na sequência de arranjinhos cozinhados pelas cliques partidárias.

Para que tal possa vir a acontecer, urge trabalhar muito e sistematicamente. Podem algumas pessoas não gostar do que passo a escrever mas é preciso actuar «à alemã», diagnosticando, problematizando para, finalmente, actuar sem tibiezas nem desvios.

Por cá, perante a manifesta ausência de tal disciplina programática, tem-se privilegiado a ida à rua. Manifestação cívica, pois, com certeza; essencial, é verdade; absolutamente legítima e necessária no Estado Democrático de Direito, no sentido de sinalizar o descontentamento, sem dúvida.

Mas, depois de dar todos os sinais de desagrado, é preciso ser consequente e fazer o trabalho cívico de secretária, dos grupos de estudo «à sueca», envolvendo o maior número possível de cidadãos nas suas comunidades, um importantíssimo «trabalho de sapa» que, esse sim, é de todas as latitudes e sem o qual não acontece a mudança.

Se bem se lembram, era neste sentido - e não noutro qualquer, de apressada leitura e interpretação que, demagigicamente, dá imenso jeito - que o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, se pronunciou oportunamente acerca das manifestações de rua que, em si, de facto, não resolvem o que só o empenhado trabalho cívico consegue.
 
 
 
 
Na morte de Richard Wagner

[texto publicado no facebook em 13.02.2013]


Em 13 de Fevereiro de 1883, em Veneza, morria Richard Wagner. Pouco depois, por altura do aniversário (22 de Maio de 1883) Franz Liszt, seu sogro e grande amigo, compôs aquela que, na minha opinião, é a mais con...seguida e sentida homenagem de qualquer compositor à memória do criador de "Parsifal".

Hoje, estou em Veneza, vendo a gôndola fúnebre saindo do Palazzo Vendramin, transportando os restos mortais de Wagner. Hoje, estou em Bayreuth, 'am Grabe Richard Wagners', [junto à campa de Richard Wagner] nas traseiras da Wahfried, e noutros lugares de peregrinação obrigatória, como também o mausoléu de Liszt.

 Am Grabe Richard Wagners tem outras versões mas esta, para piano, é a minha favorita. A interpretação que vos proponho, por Jan Vande Weghe é muito correcta.

Boa audição!



http://youtu.be/5LQ71JVSo0E
 



Mozart,
para Benedikt


[Texto publicado no facebook em 12.02.2013]


Segundo o seu próprio testemunho, ao tocar as Sonatas para Piano de Mozart, o Papa Bento XVI protagoniza um dos seus mais gratificantes momentos de acesso à Beleza e à Arte. Já visionei nterpretações suas de tais peças e, na realidade, o mínimo que posso confirmar é não ser ele um qualquer curioso. Como tudo o que tem feito na vida, também a sua leitura das Sonatas de Mozart é coisa muito séria, extremamente respeitável.

Aqui vos deixo uma pequena amostra na gravação no. 2. Na primeira, no. 1, a certeza de que SS muito admirará esta interpretação que vos proponho da Sonata em Lá menor, KV 310. É o mítico Dinu Lipatti quem nos deixa perfeitamente assombrados com esta verve tão mozartiana, lendo uma das páginas mais nostálgicas, repassada de tristeza e sombra que o compositor escreveu com o coração destroçado pela morte da mãe. Só compôs duas sonatas em tonalidade menor. Esta é uma delas.

Boa audição!


1.http://youtu.be/_2UvDOGo3qI

2. http://www.youtube.com/watch?v=pXmJryYrG3c&feature=share&list=FLgJseZ2Z15c1djHa2TSoIdA
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 [Texto publicado no facebook em 10.02.2013]
 
 
Parece que, só agora, certas pessoas terão reparado que António José Seguro é um caixão mental tão evidente como Pedro Passos Coelho.

Meu Deus, tanta perda de tempo com gente que é farinha do mesmo saco!... Eis, completo, um texto que, a p
ropósito, publiquei em 17 de Junho de 2011.

À guisa de introdução, dois parágrafos do texto que, de seguida, poderão ler na íntegra:
 
 "(...) Nunca pensei que um óbvio sentimento de orfandade pudesse afectar tantos socialistas – ou, melhor, tantos militantes do Partido Socialista, o que não é bem a mesma coisa... – ao ponto de, tão manifestamente, se envolverem numa aventura em que não há ponta de carisma, onde nem há palavras nem obras. Que mistério é este, que deserto, que miragem? Será que, no Largo do Rato, uma série de boas cabeças aceitam encolherem-se, autorizando o contento da maioria com esta indigência?

Não me parece que, tão facilmente, assim possamos concluir. Algo de muito mais profundo se passa que, aliás, é comum a todas as latitudes europeias, à esquerda, ao centro e à direita do espectro político-partidário. A mediocridade mais desalentada tomou de assalto partidos, governos nacionais e supranacionais. É o império dos Sarkozy, Berlusconi, Merkl e Barroso e está tudo dito. Está e estará, ainda por mais uns anos.
(...)"

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sábado, 9 de fevereiro de 2013


Sintrense,
para um melhor  cenário

Desde já, à guisa de introdução, preciso é que fique muito claro ter eu decido ilustrar estas palavras com as fotos que têm diante de vós, não com qualquer propósito gratuito de desagradar seja a quem for. Muito pelo contrário, tão somente o faço no sentido de, através da denúncia, poder contribuir para melhorar uma situação que, sendo indigna de Sintra, também o é do bairro da Portela e do Sintrense.
Ainda a abrir estas considerações, uma referência incontornável. Naturalmente, uma referência que também é homenagem pessoal, ao Sport União Sintrense, clube centenário ao qual Sintra tantos e preciosos serviços deve, associação desportiva que bem pode orgulhar-se do valor simbólico dos troféus alcançados, reflectido no enriquecimento social e educativo de sucessivas gerações de crianças e jovens, enquadrados por actividades que tem sabido promover ao longo de uma história recheada de êxitos.

Pois bem, em especial no que ao Sintrense diz respeito, um passado tão glorioso e tudo quanto continua fazendo num presente tão difícil como o que atravessamos, só podem articular-se e conjugar-se com situações que não possam ser apontadas como menos positivas ou negativas. A excelência não tem lacunas. Porém, apesar de nos ser penoso admiti-lo, o cenário evidenciado pelas imagens, está demasiado colado às instalações do Sintrense para que possamos continuar a passar por ele como se nada fosse connosco.
Detenhamo-nos um pouco ecoloquemos a questão crucial. Depois de um investimento tão significativo, como foi o deste estádio, em que resultou  a opção de o ter inaugurado, com acabamentos adiados para tempos em que a disponibilidade financeira permitissem concretizá-los?  Pois, resultou numa bancada que escancara dezenas e dezenas de metros de entranhas, de traseiras esconsas à Rua de Pedro de Sintra, à qual parece dizer que, com ela, nada quer… A verdade, meus caros amigos, naquele preciso lugar, se as instalações pretendessem alguma relação com a Rua de Pedro de Sintra, não lhe devolveriam cenário tão inestético e agressivo.

Não será necessário recorrer a grandes tratados de antropologia urbana para concluir que os graffiti  borrados nos muros grosseiros e toscos, as chapas onduladas servindo de portas de acesso a algures ou nenhures, toda aquela crueza e rudeza, mais própria de favela, de bairro de lata, constitui um cúmulo de agressivos sinais que mãos de gente aplicaram a um inestético conjunto que, afinal, há muito tempo, constituía  um apetecível desafio à agressão e à transgressão.  
Menos aparente mas, igualmente, muito preocupante em termos de higiene pública, é o facto de a zona se ter transformado numa lixeira, quase «estrumeira», onde defeca grande parte dos canídeos do bairro, ali conduzidos por donos que, assim, protagonizam atitude tão condenável. Cumpre não esquecer que tudo isto se passa mesmo em frente de dois estabelecimentos escolares, um jardim de infância e uma escola de primeiro ciclo do Ensino Básico, cujos alunos e famílias não merecem lições tão negativas. Enfim, muito trabalho para a Câmara Municipal de Sintra, para a HPEM e para a Polícia Municipal.

Soube que, na sequência da queda de materiais provenientes da cobertura da bancada – que, miraculosamente, não atingiram ninguém – está  a decorrer uma campanha de recolha de fundos para acorrer às despesas com obras inadiáveis de reparação. Será altura para que os serviços municipais também se envolvam. Pavimento, passeios, sinalização, por ali o que não falta é necessidade de intervenção camarária.
Oxalá, mesmo num tempo em que, infelizmente, a disponibilidade financeira dos munícipes está mais comprometida, se consiga aproveitar o ensejo para engrossar as verbas no sentido de também contemplar a requalificação que se impõe, de acordo com estas considerações que, repito, apresento com o maior espírito de colaboração, num modesto contributo, a pensar nos meus amigos e conhecidos, que tanto empenho e horas das suas vidas têm dispensado ao Sintrense. E, como o Sintrense só merece o melhor…

 





E a escola mesmo em frente...

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013



 
Na Áustria, falar da fome à portuguesa

[Transcrição do artigo publicado na edição de hoje, dia 1 de Fevereiro de 2013, no Jornal de Sintra]
 
Ainda em Salzburg, mas através de um contacto com Sintra, soube que haveria um movimento, aqui na Áustria, com o objectivo de auxiliar crianças portuguesas vítimas da crise em curso. De algum modo, tal atitude de solidariedade, constituiria uma maneira de retribuir a generosidade que os portugueses  souberam manifestar em relação a milhares de crianças austríacas acolhidas em Portugal no período posterior à Segunda Grande Guerra.

De imediato, junto dos meus amigos, tentei saber detalhes da iniciativa mas ninguém estava ao corrente fosse do que fosse. Alguém me sugeriu que poderia tratar-se de campanha ao abrigo de organizações religiosas, sugestão que logo me levou ao contacto com os serviços da arquidiocese de Salzburg onde  me informaram de que  estava em curso uma recolha de fundos através da Caritas, na sequência da assinatura de um protocolo entre as duas congéneres austríaca e portuguesa.

Este episódio propiciou-me o ensejo de contactar várias pessoas que se manifestaram perfeitamente solidárias e felizes por poderem contribuir para o alívio das necessidades de tantas crianças portuguesas na actualidade. Por outro lado, ao esclarecer os contornos do estado de carência em que está mergulhado o nosso país, os meus amigos e conhecidos – que, afinal, através do meu frequente contacto, estão relativamente bem informados acerca do que se passa por lá – não deixam de manifestar a maior perplexidade, quando não escândalo.

Perplexidade

Para eles, europeus como nós, é difícil imaginar que, em Portugal, haja milhares de crianças que vão para a escola com fome ou mal alimentadas, crianças europeias, como as deles, que pertencem, como as deles, a um país da União Europeia e da mesma zona Euro. Um tal quadro, bem como o relativo  a quem tem reformas miseráveis, não conseguindo comprar os medicamentos indispensáveis ao controlo da sua saúde, é impensável para os meus amigos austríacos. Para eles também a maior surpresa quando lhes conto da miséria endémica e geracional que afecta mais de um quinto da população portuguesa.
Ao falar-lhes sobre o que se passa na minha própria família que, ao fim e ao cabo, até é privilegiada, e lhes conto que, precisamente, minha mulher e eu, fomos inconstitucionalmente espoliados de quase um terço do nosso rendimento anual, através do confisco de parte das nossas reformas, ficam estupefactos. Pondo-os ao corrente de mais tropelias contempladas pelo Orçamento de Estado deste ano, perguntam-me se as pessoas não se revoltam  e como é que podemos viver minimamente sossegados se, tal como eu descrevi, os portugueses vivem sobre um barril de pólvora…
 
Perguntam-me como pode isto assim ser, nalguns casos, pior do que na Grécia. Lembro-lhes o que, tantas vezes, ao longo de anos, lhes tenho dito acerca do analfabetismo em Portugal, com a pior taxa de incidência de toda a Europa, ainda com dois dígitos, conto-lhes da iliteracia, da consequente mitigada capacidade de intervenção cívica, razões a montante das escolhas resultantes das eleições legislativas e autárquicas que, concretizadas num aparente quadro democrático, acabam por perverter a própria ideia da Democracia e comprometer a vivência da Democracia.
Falamos dos malefícios da Lei Eleitoral em vigor. Conto-lhes da corrupção. Conto-lhes do caso do BPN e, perante os valores astronómicos, boquiabertos, olham-me de olhos esbugalhados. E perguntam-me como é que o meu testemunho pode ser tão horrível e pessimista se, na Áustria, o caso português é apontado como sucesso, a par do da Irlanda. E, muito naturalmente, chegados a este ponto, acabamos por abordar o caso da Imprensa nacional e internacional.
Europa fragilizada
Falamos do mau momento que atravessa toda a comunicação social europeia que, cada vez mais, perde independência face aos grandes grupos económicos, acabando por ignorar princípios deontológicos e transmitindo notícias enroupadas no figurino mais conveniente aos medíocres decisores políticos europeus, títeres do poder económico-financeiro europeu e mundial. Eis a Europa servida por uma medíocre ou má imprensa, incapaz de se demarcar de medíocres e maus políticos, na ausência de verdadeiros estadistas, ingredientes de uma situação que, afinal, de modos diferentes mas convergentes e extremamente preocupantes, estão a afectar todo o espaço europeu e não só os pigs.
Em Salzburg, foi na «minha casa», em St. Sebastian, que mais conversei acerca destes temas. St Sebastian fica muito perto da casa que pertenceu a Stefan Zweig, mesmo ali ao lado, em Kapuzinerberg. E Stefan Zweig, ainda hoje, de vivíssima memória na sua Salzburg, também veio à baila. Em especial, por causa de “O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu”, obra que, muito, muito tem a ver com as preocupações que, europeus dos nossos dias, nós enfrentamos, tão fragilizados e agredidos como os das primeiras décadas do século vinte. Há que o ler, reler, interpretar e colher a lição de memórias tão brilhantes.
Certamente, lembram-se da celeuma que suscitou a atribuição do último Prémio Nobel da Paz à União Europeia. Nada me arrependo de ter saudado a decisão do Comité por considerar que tal circunstância se transformaria em fortíssima chamada de atenção para a necessidade de resolver a contento os problemas que a complexa situação actual apresenta e tanto desafia.
Ainda não tenho motivos para desconfiar de que tais intentos se alcançarão sem trair os radicais e generosos valores e princípios que levaram a trilhar um caminho iniciado com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, passando  à Comunidade Económica Europeia e que, por enquanto, resultou na União Europeia, a vinte e sete.
Entre outros, Adenauer, Schuman, Monnet, Pais Fundadores da Europa a caminho da Federação de Estados, jamais terão previsto que, passado pouco mais de meio século sobre o início do seu movimento, haveria crianças a passar fome em países deste continente tão próspero e culturalmente riquíssimo. Não foi para isto que a Europa tantos recursos tem investido, ou seja, para que a caridade assuma a solidariedade que Portugal deve esperar da Áustria, que tem muito campo institucional para se manifestar.
 
A Europa está a funcionar mal, incapaz de gerir as crises económica e financeira em que se deixou enredar. Impõe-se que, em todas as instâncias, ao nível nacional, de cada Estado, e internacionalmente, os representantes eleitos de todos os cidadãos europeus exerçam um mandato à altura da estupenda herança de princípios e valores de que somos depositários e que  cumpre fazer render para benefício de todos e, em particular, dos mais fragilizados.
 
[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]

 



Mozartwoche, 2013
cripta da Catedral de de Salzburg

[Texto publicado no facebook em 29 de Janeiro de 2013]


“(…) Mors stupebit et natura,
cum resurget creatura,
judicanti responsura.

Recordare, Jesu pie,
quod sum causa tuæ viæ:
ne me perdas illa die. (…)”

Catedral de Salzburg. Quantas e quantas vezes, ao longo de tantos anos, tenho descido a esta cripta para, durante uns momentos, me recolher na capela circular, muito pequena, em cuja parede, junto ao tecto, e a toda a volta, estão gravadas aquelas que são algumas das mais impressivas palavras do ‘Dies irae’ que bem deviam estar presentes no espírito de todos os crentes cristãos!...

De facto, está no subsolo do grande templo que a aparente (ou manifesta?...) megalomania do Príncipe Arcebispo Wolf Dietrich pretendia fosse maior do que São Pedro de Roma. Na realidade, a capela da cripta ocupa um espaço físico. Porém, nos momentos em que ali estou, deixa de ser um lugar na cidade e da cidade, antes fica um espaço sem amarras, que já não tem coordenadas concretas.

Mors stupebit et natura,
cum resurget creatura,
judicanti responsura.

Recordare, Jesu pie,
quod sum causa tuæ viæ:
ne me perdas illa die.

Para ler estas palavras, a toda a volta desta capela, sou obrigado a rodar, a assumir o eixo do movimento helicoidal que daqui me liberta de quaisquer amarras para ascender ao Infinito. Deixo, para já, a sempre difícil tarefa do registo escrito dos momentos em que a Fé manda mais que tudo, voltando ao ‘Dies Irae’.

Na maior parte dos casos – e, nesses especiais momentos, articulando com alguns dos temas musicais mais célebres e belos -aquela mensagem só evidencia todo o esplendor escatológico, quando ouvida e entendida como suporte textual do Requiem de Mozart ou de Verdi, para não referir outros não tão célebres mas, igualmente belíssimos, como os de Fauré, Britten ou Penderecki.

Ontem mesmo aqui se celebrou o nascimento de Mozart. Eu lembrei a morte de Verdi. Nascimento e morte, tanto dos génios, como foram aqueles compositores, como de nós, cristãos, homens comuns que somos, constituem apenas os primeiro e segundo termos ou momentos de uma tríade que continua noutra plataforma de vida. Aliás, é neste preciso sentido que só podemos concordar com Amadé, católico e maçon, quando, extremamente inspirado, em carta dirigida ao pai, Leopold Mozart, qualificou “(…) a Morte como a nossa melhor amiga (…)”.

Muita gente se espanta com o clima de exuberante esperança da Missa de Requiem de Mozart. Para já, importa não esquecer tratar-se de uma Missa. É uma Missa, escrita por um genial compositor católico que, no fim de vida breve, acolhe a Morte, precisamente, como a melhor amiga que lhe abria a porta da Eternidade. Tal como ele, católico e maçon, tenho o privilégio de crer profundamente nesta verdade, privilégio que se conjuga com a frequência da Arte, Arte que tão próxima está do divino.

Naturalmente, universal como é, o objecto de Arte, não carece do atributo da Fé para que qualquer mortal aceda à sua essência. No entanto, julgo que, no caso da Música Sacra, composta por sinceros, veementes e grandes crentes, como foram Mozart, Bach, ou Poulenc, uma sintonia outra acontecerá quando os destinatários das obras, os ouvintes, também estiverem animados pela mesma Fé que presidiu à concepção da peça.

É evidente que só poderia terminar de uma maneira, ou seja, propor-vos a audição do momento do ‘Dies irae’ do Requiem de Mozart composto a partir das duas primeiras estrofes do texto latino, a seguir apresentadas, enquanto que as transcritas na capela da cripta da catedral de Salzburg se referem às quarta e nona.

1
Dies iræ! dies illa
Solvet sæclum in favilla
Teste David cum Sibylla!

2
Quantus tremor est futurus,
quando judex est venturus,
cuncta stricte discussurus!

Trata-se de uma gravação ao vivo, na catedral de Sto. Estêvão, em Viena, no dia 15 de Setembro de 1991, por ocasião do 200º aniversário da morte de Mozart, Orquestra Filarmónica de Viena dirigida pelo saudoso Sir Georg Solti, Coro da Ópera Estatal de Viena e solistas Arleen Auger, cecilia Bartoli, Vinson Cole e René Pape. [seguem duas gravações, a primeira só do ‘Dies irae’ e a segunda da obra completa.]

Boa audição!

http://youtu.be/qZTd9jXQLMU

http://youtu.be/x2XcmaiaqAY
 
 



Mozartwoche, 2013

[Texto publicado no facebook em 28 de Janeiro de 2013]


Estou a dever-lhes vários dias de informação mas, prometo começar hoje a compensar. Vejam que, tão cedo, já hoje enviei ao Paulo Alves Guerra do programa da RDP 2 "Império dos Sentidos", o seguinte e-mail:

"(...) gostaria de lhe enviar daqui, de Salzburg, um «apontamento de reportagem». Como sabe, estamos em pleno Festival de Inverno, na famosa "Mozartwoche", que começou no pas
sado dia 24 prolongando-se até 3 de Fevereiro.

Como todos os anos acontece, desde 1956, ano da primeira edição, que coincidiu com o 200º aniversário de Mozart, a Fundação do Mozarteum de Salzburg, da qual sou membro,
integra nos programas da "Mozartwoche" os artistas que, com um cunho de interpretação pessoal distinta, considera poderem abordar as obras do compositor a um nível de prestação superior.

Foi neste contexto que Maria João Pires foi convidada para interpretar o Concerto para Piano em Ré menor, KV. 466 com a Orquestra Filarmónica de Viena, sob a direcção de Gustavo
Dudamel.

Acontece que se magoou num pé, circunstância que a organização do Festival, através de Mathias Schultz, anunciou antes de começar o concerto da noite do passado sábado, dia 26. Antes de terminar o aviso e perceber que, apesar do incidente, Maria João Pires tocariaa peça, estive em suspenso porque, como se sabe, ela é caracterizada por uma certa dose de imprevisibilidade. Com ela nunca se sabe...

Mas, sim senhor, apoiada ao braço do maestro lá atravessou o gigantesco palco do Grosses Festspielhaus de Salzburg até se sentar ao teclado e apresentar a qualidade da leitura desta obra
a que tem habituado o público. Foi precisamente este mesmo concerto, aliás, que interpretou em Lisboa, nos Jerónimos, há dez anos, com a Orquestra Filarmónica de Berlin, sob a direcção de Pierre Boulez.

No fim, novamente apoisada a Gustavo Dudamel, veio agradecer duas vezes e uma terceira, sozinha, coxeando manifestamente. Naturalmente, o público não lhe rogou aplausos até pelo esforço e respeito que manifestou ao honrar o seu compromisso, mesmo em circunstâncias físicas que, manifestamente, não eram as melhores. (...)"

Portanto, também já ficaram a saber este 'fait divers'. Mais tarde, aqueles que ouvirem o programa entre as sete e as dez, dir-me-ão se e como o PAG referiu o caso.
 
 


Mozart, trilogia sinfónica
na Mozartwoche 2013

[Texto publicado no facebook em 26 de Janeiro de 2013]


Apenas uma nota prévia às considerações que farei acerca do concerto de ontem à noite. Na Mozartwoche, todas as propostas são do mais alto nível. Desde 1956, ano do início deste festival, a Stiftung Mozarteum não faz qualquer concessão à mediania. Os eventos podem correr mal e, 
em tantos anos que aqui venho, tenho boas histórias de espectáculos que correram mal ou mesmo muito mal, o que não significa que, à partida, não constituíssem apostas estimulantes.

Portanto, durante todo o festival, antes de qualquer dos espectáculos, tal como ontem fiz, poderei sempre evidenciar a excepcionalidade do que aqui acontece. Ontem, fi-lo por se tratar de um programa que envolve uma tríade de peças geralmente considerada como o testamento sinfónico de Mozart e que, tão recentemente, como deverão lembrar-se, também eu abordei ao escrever as notas que convosco partilhei no fim do «curso» que vos propus sobre todas as sinfonias de Amadé.

Ora bem, Sir Simon Rattle sabe perfeitamente o terreno que pisa quando , em Salzburg, se apresenta à frente da inglesíssima Orchestra of the Age of Enlightenment (OAE), num dos auditórios mais emblemáticos como é o do Grosses Festspielhaus, perante um público sempre muito exigente quanto à leitura e interpretação do «seu» Mozart, pelas melhores orquestras alemãs e austríacas que gostam de reivindicar o melhor serviço ao grande génio aqui nascido.

Nesta mesma sala, há dez anos, assisti eu aos primeiros passos de Sir Simon Rattle como Director do Festival da Páscoa de Salzburg. Cumpre lembrar que Herbert von Karajan, natural desta cidade, foi quem fundou o Festival da Páscoa e o dirigiu pela primeira vez. Depois da sua morte, os maestros que se lhe seguiram também têm assumido a direcção do Österfestspiel que pressupõe uma especial relação com esta cidade. E Sir Simon tem, de facto, essa relação especial com Salzburg.

Por outro lado, a sua relação com a OAE vem de 1992, portanto, há mais de vinte anos, quando foi designado seu ‘Principal Guest Conductor’. Actualmente é ‘Principal Artist with the OAE’, uma excelente formação orquestral cuja fama e proveito nós, portugueses, bem conhecemos das suas deslocações à Gulbenkian, sob a direcção de Franz Brüggen.

Em Salzburg, tal como Sir Simon Rattle, também a OAE nada veio arriscar e, isso sim, apenas confirmar o altíssimo nível das prestações que fazem o seu já longo palmarés. Mozart teve o mais fiel servidor através da leitura que ontem tivemos o privilégio de viver. Nada falhou, numa obediência rigorosa aos tempos, às pausas – e que longas pausas Sir Simon é capaz de fazer aguentar os músicos e o público, na correctíssima perspectiva que pausa é sofisticadíssima música – sereno mas arrebatado, dominando todos os matizes das partituras, privilegiando uma sábia adequação da dinâmica, jamais concedendo a mínima facilidade e, em suma, evidenciando como é de bastidores, e não fruto de exuberância no palco, a grande tarefa de qualquer maestro.

A exemplo do que quase sempre acontece, o Grosses Festspielhaus estava esgotadíssimo, nos seus dois mil e trezentos lugares, vivendo uma das maiores festas sinfónicas que é possível. O grande legado sinfónico de Amadé continua bem entregue. E, no ano que vem, também na Mozartwoche, há mais. Para o dia 1 de Fevereiro de 2014, já está anunciado um concerto com a Orquestra Filarmónica de Viena, com o mesmo programa, sob a direcção de Daniel Barenboim.

Vou deixar-vos com um momento absolutamente genial, de uma inspiração inultrapassável, do terceiro andamento, Menuetto-Trio, da Sinfonia KV. 543, a primeira da trilogia, numa fabulosa leitura de Karl Böhm, dirigindo a Orquestra do Royal Concertgebouw de Amsterdam, em 1955.



http://youtu.be/f531-rRjipM


Ontem, “Lucio Silla”

[Texto publicado no facebook em 25 de Janeiro de 2013]


Pois, meus amigos, “Lucio Silla”, a ópera de Mozart que inaugurou a edição de 2013 da Mozartwoche de Salzburg, tem todos os ingredientes para produzir récitas de alto gabarito. A de ontem poderia ter sido memorável não
fosse o facto de Rolando Villazón, no protagonista, ainda estar com a voz muito afectada, fruto de anteriores abusos, com os defeitos decorrentes do empenho nas árias «de bravura» e longe da prestação exigida aos tenores que se aventuram nos terrenos mozartianos. Em alguns momentos, chegou a ser penoso ouvi-lo.

Quanto ao soprano Peretyatko, enfim, nada de particularmente entusiástico, mas a revelar-se muito bem nas árias 4. Dalla sponda tenebrosa e 11. Ah se il crudel periglio que exigem grande sofisticação e domínio, muita contenção de todos os recursos vocálicos e expressivos.

Excelente, isso sim, Marianne Crebassa, meio-soprano, no ‘Cecilio’ ainda muito jovem mas a prever voos formidáveis. Também em muito bom nível, os sopranos Inga Kalna e Eva Liebau, respectivamente, em ‘Lucio Cinna’ e Celia.

Marc Minkowski trabalhou a partitura a partir de representações anteriores sob a direcção de Harnoncourt e de Jean-Pierre Ponnelle. Les Musiciens du Louvre, sob a sua direcção, estiveram ao mais alto nível que se lhes reconhece.

A encenação, a cargo de Marshall Pynkoski, tem soluções extremamente eficazes que concorrem para uma assinalável fluidez de todo o espectáculo que, nas suas quase três horas de duração, em três actos, apenas com um intervalo, exigiu um ritmo que se revelou perfeito.

Cenários e figurino de Antoine Fontaine, confirmando como é um grande senhor dos palcos, artista de talento a rodos. Elemento essencial do sucesso, a coreografia, muito eficaz, de Jeannette Lajeunesse Zingg, ela própria integrando um corpo de bailado de alto nível artístico.

Quando regressar a casa, voltarei a partilhar convosco mais algumas impressões sobre este espectáculo. Para já, o que ainda espero, é ter a dita de assistir a uma récita desta produção, mas com um bom tenor mozartiano e em boa forma...

Como sou muito vosso amigo, aqui vos deixo uma interpretação primorosa da ária referida "Dalla sponda tenebrosa" por Edita Gruberova, uma mozartiana irrepreensível.

Boa audição!

http://youtu.be/K3bIrjllFZ8
 


[Passo a transcrever o artigo que subscrevi para a edição de hoje, 25 de Janeiro de 2013, do ’Jornal de Sintra’. É curioso que, ao escrevê-lo, ainda desconhecia que a Parques de Sintra Monte da Lua iria promover uma acção de voluntariado que, de algum modo, também eu propus no post scriptum.

Como sabem, estou em Salzburg. Hoje de manhã passei em Mönchsberg e, agora à tarde, acabo de regressar de Kapuzinerberg, lugar
es aos quais se reporta a «lição» referida no texto. Tudo continua a correr favoravelmente. É fantástico como, tendo a tempestade acontecido há apenas meia dúzia de anos, com consequências horríveis, hoje em dia até pareça que nada aconteceu.]

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A tempestade e uma lição alheia

A meio da manhã do passado sábado, durante a minha caminhada, tanto quanto logo se me evidenciou, pelo que senti, vi e me apercebi, a situação era preocupante. Havia muitas árvores rachadas, caídas por todo o lado, desde a Estefânea a São Pedro, por um lado, ou, por outro, na Volta do Duche, junto ao muro da quinta que bordeja o passeio do lado esquerdo em direcção ao centro histórico.

Mais ou menos longe, mesmo não avistando os carros de bombeiros, as sirenes bem davam conta do desusado movimento de socorro em acção. Continuando o meu vaivém, tropecei em imensos troncos, tronquinhos, ramos, muitos ramos e volumosas ramadas que as rajadas foram arrancando. Olhando para cima, em direcção ao Castelo dos Mouros e à Pena, tive a certeza de que as coisas não poderiam deixar de ameaçar as mais funestas consequências.

De qualquer modo, a dança das árvores, a firmeza de algumas centenárias, grossas, quase impávidas, enquanto à sua volta tudo andava num remoinho , a chuva abatendo-se em bátegas espessas, descendo e redopiando à velocidade das rajadas, o ranger das madeiras doridas da violência dos elementos, de qualquer modo, repito, um espectáculo sublime, num ritmo avassalador que os sentidos mal acompanham.

Regressando a casa, recebi uma nota do gabinete de comunicação da Parques de Sintra Monte da Lua que, nas linhas e entrelinhas bem expressava o que era preciso ir ver à serra. E, não sendo fácil a aproximação dos locais, lá fui como pude. Na Quintinha, junto a Monserrate, junto ao portão do Châlet da Condessa, num dos extremos do Parque da Pena, em especial neste último lugar, a desolação mais confrangedora.

A casa do guarda atingida, um gigante caído a poucos metros do châlet, o jardim indescritivelmente sofrido, a fúria estampada nos verdes desgrenhados, nos castanhos matizados de troncos enegrecidos, canteiros e caminhos enlameados por escorrências descontroladas… E os rostos abatidos, os ombros caídos, sob os oleados molhados, de quem se dói e condói, perante tanta destruição. Que ira aquela, dos elementos que não pouparam o jardim, amoroso, à volta do ninho dos amores… Agora, quanto e quanto trabalho, de mais e mais recuperação, quando tudo ainda estava tão fresco.

Uma estupenda lição

Deixo o local e vou avançando. Há uma quantidade enorme de árvores derrubadas, Fala-se em duas mil, não sei. Enquanto uma natural tristeza ia tomando conta de mim, logo me ocorreu um cenário muito semelhante, só que muito branco, de neve por todo o lado, que presenciei, há uma meia dúzia de anos, na montanha que, de um e outro lado do rio Salzach, emoldura o grande vale ocupado pela cidade de Salzburg.

Ventos ciclónicos, de mais de duzentos quilómetros à hora, tinham arrasado centenas de velhíssimas árvores, anteriores a Mozart e a Haydn que, há mais de duzentos e cinquenta anos, já se passeavam sob as suas densas copas. Naquela altura, os caminhos de Mönchsberg e de Kapuzinerberg, que sempre procuro com a avidez de quem sabe ir encontrar o que só ali existe, estavam diferentes. Tinham acolhido cadáveres gigantescos. De campo santo, isso sim, era o ambiente.

Como costumo fazer estadas prolongadas, fiquei na cidade o tempo bastante para beneficiar de uma das melhores lições que, afinal, tão negativo cenário poderia ter suscitado. Muito resumidamente recordo que as autoridades florestais da região aproveitaram o ensejo para fazer pedagogia pública, precisamente, naquele cenário de calamidade.

Através de painéis estrategicamente distribuídos, circunstanciaram as origens da tempestade e, tendo fotografado as imediatas manobras de remoção, corte e aproveitamento da matéria lenhosa, reproduziram tais documentos que ilustravam curtos textos, muito acessíveis. E, meus caros amigos, no que me pareceu uma das melhores atitudes, noutros painéis, o discurso era no sentido de sossegar as pessoas.

Por um lado, informavam que as consequências da calamidade estavam devidamente enquadradas e que teriam um constante apoio técnico, de acordo com um cronograma também anunciado e, por outro, não deixavam de lembrar a capacidade de regeneração natural, em todos os aspectos, tanto ao nível da flora como da fauna locais.

Uma estupenda lição, assim escrevi em subtítulo. De facto, foi. De facto, continua sendo. Depois deste episódio, já não sei quantas mais vezes lá tenho ido e sempre confirmando como «a lição» foi certíssima e permanece totalmente adequada. Quando lerem estas linhas, é curioso, já estarei novamente em Salzburg. E, de certeza, depois das subidas a Mönchsberg – provavelmente, aquando de uma das minhas visitas ao Museu dos Modernos – ou a Kapuzinerberg, pelo Stefan-Zweig-Weg, passando algumas manhãs e tardes, lá estarei dando conta da formidável maneira como, com a sábia intervenção do Homem, a natureza reage tão surpreendentemente.

Já enviei um recorte destas impressões à Parques de Sintra Monte da Lua, em especial, ao cuidado do Prof. António Lamas e do Engº Nuno Oliveira. [É verdade, porque não lhes enviam um abraço neste momento tão doloroso? Imaginam como gostariam dessa lembrança?]. Talvez seja possível fazer algo de semelhante numa altura em que estamos todos tão consternados. Uma boa lição, como sabem, não tem limite de réplica…

Ps: É verdade, só mais um «recado». Se estamos tão evidentemente preocupados com o que aconteceu, por exemplo, junto ao Châlet da Condessa, porque não nos oferecemos para dar uma ajuda no que for preciso? Ou seremos nós daqueles que nos limitamos a alinhar nas campanhas, subscrever umas petições e atirar «umas bocas» no facebook, no Dia do Voluntariado?

[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
 
 


Mozartwoche 2013

[Texto publicado no facebook em 24 de Janeiro de 2013]


Meus caros amigos, desta vez, enquanto estiver por aqui, irei partilhando umas impressões mas nada que se pareça com o que fiz no ano passado, precisamente durante a Mozartwoche, em que cheguei a cansar-me para manter o «compromisso».

Nestes próximos dias, contem apenas umas «dicas». Aliás, a edição de 2013 da Mozartwoche será para mim a primeira em muitos anos em que não assistirei a todo o Festival. Tenho compromissos em Lisboa que me impedem de aqui permanecer além do fim do mês e isto continua até 3 de Luis Fevereiro.

Como já vos tenho anunciado, o grande evento acontece precisamente hoje com a primeira de três récitas de "Lucio Silla", KV. 135 de Mozart. É uma novíssima produção em que a Fundação do Mozarteum se empenhou de modo muito especial.

Marc Minkowski - actual Director Artístico da Mozartwoche - dirigirá o seu 'Les Musiciens du Louvre Grenoble'. A encenação é de Marshall Pynkoski e, como vozes protagonistas, Rolando Villazón e Olga Peretyatko.

Hoje, entre as duas e as quatro da tarde, na Wiener Saal do Mozarteum, haverá uma mesa redonda subordinada ao tema "Lucio Silla ou: até que ponto está morta a 'opera seria do século dezoioto", com a presença de Mathias Schülz da Direcção do Mozarteum, e especialistas tão famosos como Christian Esch(Wuppertal), Ulrich Konrad (Würzburg) e até Peter Ruzicka (Hamburg).

Acreditem que, além da ópera, dos concertos e dos recitais, é muito por via destes debates, conferência, mesas redondas, ateliés, etc, que aqui venho. Aprende-se imenso com esta gente. São ocasiões únicas de concentração de conhecidos estudiosos cujas opiniões importa conhecer. Estão sempre a investigar, a descobrir novos caminhos mozartianos pelo que se revelam imperdíveis tais momentos.

Relativamente à récita de logo à noite na ‘Haus für Mozart’, ou seja, no antigo Kleines Festspielhaus, gostaria de vos deixar com uma ou duas pistas relativamente à voz da Peretyatko. Para o efeito, sempre abordando obras de Mozart, queiram ter em consideração as duas seguintes gravações.

Boa audição!



http://youtu.be/YOlbMr-vCYM

http://youtu.be/1IKUlnv9tfI
 
 



Mau tempo em Sintra


[Texto publicado no facebook em 19 de Janeiro de 2013]
 

 Já tenho partilhado convosco a minha prática diária de uma hora de caminhada, esteja onde estiver, faça o tempo que fizer. E, por vezes, como hoje, chovendo e com vento insuportável, o quadro não é nada convidativo. Mas, absolutamente formatado para os meus seis quilómetros da ordem, lá fui pelo percurso mais frequente, ou seja, desde minha casa, junto ao Centro Cultural Olga Cadaval, Correnteza, Alfredo da Costa, Volta do Duche, Palácio da Vila, Pisões, Regaleira, e por ali abaixo até ao desvio para a Fonte dos Amores, local onde retrocedo.

Tanto quanto me parece, pelo que senti, vi e me apercebi, por estas bandas, a situação é preocupante. Há muitas árvores rachadas, caídas por aí fora, em especial na Volta do Duche, junto ao muro da quinta que bordeja o passeio do lado esquerdo em direcção ao centro histórico, onde há espécimes de considerável altura mas de tal forma desguarnecidos que, em condições congéneres, estes episódios sucedem-se.

Mais ou menos longe, mesmo não avistando os carros de bombeiros, as sirenes bem davam conta do desusado movimento de socorro em acção. Continuando o meu vaivém, tropecei em imensos troncos, tronquinhos, ramos, muitos ramos e volumosas ramadas que as rajadas foram arrancando. Olhando para cima, em direcção ao Castelo dos Mouros e à Pena, tive a certeza de que as coisas não poderiam deixar de ameaçar consequências desagradáveis.

De qualquer modo, a dança das árvores, a firmeza de algumas centenárias, grossas, quase impávidas, enquanto à sua volta tudo anda num virote, a chuva abatendo-se em bátegas espessas, descendo e redopiando à velocidade das rajadas, o ranger das madeiras doridas da violência dos elementos, meu Deus, como tudo isto é belo, especialmente contundente mas belo, num ritmo que o nosso entendimento dificilmente acompanha em todo o detalhe.

Regresso a casa, ao conforto possível. De manhã ainda se circulava mas, acabo de saber que o trânsito foi cortado junto aos Paços do Concelho, onde a vereação tem estado reunida para acudir às emergências. Oxalá possa haver a competente resposta que os cidadãos esperam.

A propósito de competência, por me parecer conveniente, passo a dar conhecimento de uma nota que hoje me enviou Maria do Céu Alcaparra, do Gabinete de Comunicação da Parques de Sintra Monte da Lua:

“A Parques de Sintra, empresa responsável pela gestão de áreas como os Parques da Pena e Monserrate, Castelo dos Mouros e Convento dos Capuchos, em Sintra, esclarece o seguinte:

No seguimento das condições meteorológicas dos dias 18 e 19 de Janeiro, verificou-se a queda de muitas árvores na Serra de Sintra não se registando quaisquer feridos ou danos de maior.
No entanto, os Parques da Pena e Monserrate, Castelo dos Mouros e Convento dos Capuchos estarão encerrados ao público durante este fim de semana, no sentido de se removerem as árvores e ramos caídos, reabrindo apenas na Segunda-feira, dia 21 de Janeiro.

Na manhã de hoje (19 de Janeiro), alguns turistas ficaram retidos no Parque da Pena devido às árvores caídas na estrada. Para que não ficassem desabrigados durante o processo de desimpedimento da estrada, a Parques de Sintra disponibilizou espaços onde puderam permanecer até a mesma ser desimpedida. Neste momento já todos os turistas regressaram aos seus pontos de origem, não se tendo registado quaisquer incidentes ou problemas."

Finalmente, se alguém precisar de algum esclarecimento adicional fará o favor de contactar Parques de Sintra - Monte da Lua, pelo telefone 219 237 309 / 92 549 55 41 ou correio electrónico, maria.alcaparra@parquesdesintra.pt
 
 
 


Émilie, em Lisboa

[Texto publicado no facebook em 18 de Janeiro de 2013]


Ontem, na Gulbenkian assisti à primeira récita de Émilie, monodrama lírico de Kaija Saariaho, que já conhecia parcialmente através de excertos da gravação disponível da Opéra de Lyon.

A música de Kaija Saariaho tem um brilho especialíssimo, muito interpelante, suscitando constantemente a atenção do ouvinte-espectador. Barbara Hannigan está em boa forma, a orquestra sob a d
irecção de Martinez Izquierdo esteve à altura.

A proposta cénica é que, na concepção de Vasco Araújo e André Teodósio, me pareceu fraquinha, pouco ou nada acrescentando ao substrato musical, nada descodificando ou explicitando, com pobres intervenções de elementos da Companhia Nacional de Bailado.

A não ser, na minha perspectiva, esta componente menos positiva da Émilie de Lisboa, não vislumbro qualquer problema de comparação com o exemplo que ontem apresentei, na referida produção, com Karita Mattila na protagonista, na Opéra National de Lyon.

A propósito

Não poderei deixar de referir que a personagem real, Émilie du Châtelet, na qual se inspirou Amin Maalouf para o libretto, é, verdadeiramente, alguém a redescobrir. Faz-me lembrar imenso outra extraordinária mulher do século XVIII que, curiosamente, também foi amiga de Voltaire (só mesmo amiga, e correspondente em abundante epistolografia), a Princesa Friederike Sofia Wilhelmine da Prússia, irmã mais velha de Frederico o Grande, escritora, compositora, interessada em arquitectura, pintura, construção de jardins, artes decorativas, etc.

As minhas idas a Bayreuth têm contribuído, cada vez mais, para acrescentar fascínio maior por esta princesa, tão independente, culta e erudita que, pelo casamento, se tornou também Margrevina de Brandenburg-Bayreuth, personagem e personalidade absolutamente fascinante por quem me tenho perdido em leituras e outras demandas.
 
 


[Outra atitude de comemoração do aniversário de Dona Olga Marquesa de Cadaval. Transcrição do artigo publicado na edição de hoje, 18 de Janeiro de 2013, do Jornal de Sintra, aqui ilustrada com aproposta de audição de uma obra de Benjamin Britten dedicada a quem estamos a homenagear durante esta semana em Sintra]

Dona Olga, Marquesa de Cadaval,
mais um aniversário



Dona Olga Maria Nicolis di Robilant Álvares Pereira de Melo (Cadaval), nasceu em Torino, aos 17 de Janeiro de 1900 e morreu em Lisboa, no dia 21 de Dezembro de 1996. Foi exemplar figura de grande senhora da Cultura Europeia, protectora da Música e de muitos músicos, através de meritória actividade mecenática que beneficiou Portugal, seu país de adopção.

É uma figura absolutamente fascinante que, em diferentes oportunidades, me tem levado a dedicar-lhe trabalho de imenso prazer. Tal é o caso da concepção de um documentário sobre a sua riquíssima biografia, projecto de equipa em que me incluo, ao lado de bons amigos, como Mário João Machado, ex Presidente do Conselho de Administração da SintraQuorum (Centro Cultural Olga Cadaval), João Pereira Bastos, ex director do Teatro São Carlos e da RDP Antena Dois, João Santa Clara, realizador de cinema e Vitor Beja, produtor.

O filme que faltava

Os cenários são os mais diversos, desde Sintra e a Quinta da Piedade, à herdade de Muge com as suas actividades agrícola e pecuária, e, como não podia deixar de ser, Veneza com o palácio no Grande Canal, casa da sua família materna, dos célebres Mocenigo, família que deu sete doges à cidade, palácio onde, em 1624, na sequência de encomenda de Girolano Mocenigo a Claudio Monteverdi, «só» foi estreada "Il Combattimento di Tancredi e Clorinda", importantíssimo marco da História da Música europeia.

Temos horas e horas de excepcional material recolhido em entrevistas, quer com alguns dos beneficiários directos do seu mecenato, tais como Daniel Barenboim, Nelson Freire, Olga Prats, Stephan Bishop-Kovacevitch, quer com seus amigos como Nella Maisa, os Engºs João Paes Freitas Branco ou Luís Santos Ferro, Maria Germana Tânger, Maria Barroso Soares ou Jorge Sampaio, com os Presidentes da Câmara Municipal de Sintra Edite Estrela e Fernando Seara, bem como com os seus netos, condes de Schönborn- Wiesentheid, e muitas mais pessoas.

Como não recordar, dentre a galeria dos amigos, os mais destacados dos mundos cultural, político, religioso, seus íntimos, desde Marinetti, Gabriele d'Annnunzio, Graham Greene, Saul Bellow, C. Chanel, Maeterlinck, Louise de Vilmorin, Francisco José - a quem a Marquesa se referia como «Il Kaiserone – Pio XII, Frau Cosima (filha de Liszt e viúva de Wagner) a Princesa de Polignac, Kenneth Clark, Marconi, a Duse, René Huyghe, para mencionar, desordenadamente, apenas alguns dos estrangeiros e não músicos?... Enfim, muitas, muitas histórias a contar acerca da vida desta senhora.

Prevê-se que, já no próximo Verão, no âmbito da 48ª edição do Festival de Sintra, este documentário seja publicamente apresentado. Trata-se de um filme cujos direitos de reprodução já foram assegurados pelo segundo canal da RTP, documento aquele que, estou em crer, poderá contribuir decisivamente para uma divulgação mais sistemática, tanto a nível nacional como internacional desta grande senhora da cultura europeia do século vinte.

Reparem que Dona Olga, senhora da mais alta linhagem da aristocracia europeia – que, além dos referidos doges venezianos, também conta com directos ascendentes em Frederico II da Prússia ou Catarina II da Rússia – se estabeleceu em Portugal, no princípio dos anos trinta, após o casamento com Dom António Caetano Álvares Pereira de Melo, Marquês de Cadaval, tornando-se notável o modo como se soube colocar à disposição de todos com quem se cruzou.

Muito especialmente, exerceu o mais desinteressado dos mecenatos, a favor de uma plêiade de jovens músicos, cujo extremo talento ela soube reconhecer e que se tornaram nos galácticos nomes que, hoje em dia, brilham ao mais alto nível nas salas de concerto, como os já mencionados Nelson Freire, Martha Argerich ou Daniel Barenboim. Passou a vida a dizer ao mundo como eram excelentes os jovens artistas que patrocinava e como, ao fim e ao cabo, todos se deviam render aos seus excepcionais dotes. Em troca, como afirmava, recebeu muito mais, ou seja, a Arte que serviam com o seu génio de extraordinários intérpretes.

Comemorações 2013

Durante esta semana, Sintra comemora o aniversário do nascimento de quem é a patrona do seu Centro Cultural. A meio da manhã do dia 17, alunos do segundo ciclo do Ensino Básico da vizinha Escola D. Fernando II, irão prestar-lhe homenagem, depositando flores junto ao seu busto, no átrio do referido edifício. Escrevo estas palavras na véspera deste evento que, na sua singeleza, se adivinha cheio de significado.

No dia seguinte, pelas dez da noite, o habitual concerto, também no mesmo Centro Cultural, desta vez, com a Orquestra de Câmara Cascais Oeiras, cuja ligação à Casa Cadaval é conhecida por ter sido na Quinta da Piedade, que foram dados os primeiros passos do agrupamento. Aliás, Dona Teresa, Condessa de Schönborn-Wiesentheid, neta da Senhora Marquesa, é membro fundador da Associação que, actualmente, dirige a instituição.

Do programa do concerto, sob a direcção do Maestro NiKolay Lalov, constam obras de Ottorino Respighi, Claude Debussy, José Viana de Motta e Benjamin Britten, compositores com evidentes traços de união à homenageada. Também na RDP, Antena Dois, tanto Paulo Alves Guerra, no «Império dos Sentidos», como André Cunha Leal, nas suas intervenções destes dias, incluindo a ocasião da transmissão do MET, em conversa com Ana Paula Russo, farão as referências que consideram mais pertinentes à memória de Dona Olga, Marquesa de Cadaval.

Sem grande hipótese de induzir em erro seja quem for, julgo estar em posição de poder afirmar que 2013 será um ano muito auspicioso para a preservação da sua memória, já que uma outra circunstância concorre para que assim seja. Como já sabem, entre outras grandes efemérides, vai comemorar-se o centenário do nascimento de Benjamin Britten. Ora bem, em Portugal e em Sintra, este evento virá sublinhar a articulação com a Senhora Marquesa Olga de Cadaval, precisamente por ter sido ela a dedicatária da Cantata “Curlew River”, datada de 1964, tendo ficado indissociavelmente ligada à história de mais uma peça importante na História da Música contemporânea.

Como sonhar ainda é possível, termino estas palavras de um texto que, naturalmente, faz parte da minha singela homenagem que se reparte por estes dias, alimentando a esperança de que, lá mais para o fim do ano – 22 de Novembro é a data do aniversário do grande compositor inglês - possamos ter a dita de assistir a uma récita de apresentação da referida obra.

[João cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]

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>O artigo supra está ilustrado com um retrato da Senhora Marquesa cuja reprodução, neste momento, não me é possível. De qualquer modo, no Google, encontrarão uma boa galeria de fotos.
>Neste suporte do facebook, como posso propor a partilha de música, julgo vir a propósito recomendar-vos, mais uma vez, o excerto da Cantata “Curlew River” que já tive oportunidade de indicar aquando do último aniversário de Benjamin Britten, portanto, em 22 de Novembro de 2012.

Trata-se de uma aclamadíssima produção de Graham Vick – lembram-se do encenador do último “Ring” de Wagner em São Carlos? – que foi à cena, em 2004, por ocasião dos BBC Proms, no Royal Albert Hall em Londres. Se quiserem refrescar as notas de enquadramento desta peça tão especial no quadro de toda a obra do compositor, mais não têm do que consultar o arquivo.

Boa audição!

http://www.youtube.com/watch?v=JDPsoJZBPpw&feature=share&list=PLA393D79883D4C185