[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 27 de abril de 2014



Vasco Graça Moura
(1942-2014) 


Durante a caminhada de hoje - não vem a propósito por que razão - recordei passagens do Inferno da Divina Comédia de Dante. A propósito, pensei eu no fabuloso trabalho de tradução para Português da obra capital da cultura europeia, realizada pelo Vasco Graça Moura. E, nele pensando, recordei como estava tão fragilizado ultimamente, ele próprio dando conta disso mesmo na última entrevista ao JL.

Ao chegar a casa, acabei de receber a notícia da sua morte. Não estranhando, não pude deixar de pensar na coincidência de que acima dei conta. Conheci-o pessoalmente e admirava-o muito. Diletante, erudito em toda e mais nobre acepão dos termos, Vasco Graça Moura trabalhou imenso em todos os domínios da Literatura. E era um excelente poeta, cultor de vários géneros, sempre com superior inspiração.

Não há muito tempo, mais precisamente em 10 de Julho de 2013, escrevia eu que:

“(…) Vasco Graça Moura, autor do poema que reproduzo, não podia ter sido mais lúcido no reconhecimento das vias do nosso desassossego. (…) estamos todos, inteiros, nestes versos.
Crónica

eram barcos e barcos que largavam
fez-se dessa matéria a nossa vida
marujos e soldados que embarcavam
e gente que chorava à despedida

ficámos sempre ou quase ou por um triz
correndo atrás das sombras inseguras
sempre a sonhar com índias e brasis
e a descobrir as próprias desventuras

memória avermelhada dos corais
com sangue e sofrimento amalgamados
se rasga escuridões e temporais
traz-nos também nas algas enredados

e ganhou-se e perdeu-se a navegar
por má fortuna e vento repentino
e o tempo foi passando devagar
tão devagar nas rodas do destino

que ou nós nos encontramos ou então
ficamos uma vez mais à deriva
neste canto que é nosso próprio chão
sem que o canto sequer nos sobreviva

[Letras do Fado Vulgar]”


Lucidez, afirmava eu. Acutilância, acrescento agora. Morreu o poeta. Como o grande vate, ainda morreu com a Pátria. De rastos, esfarrapada, esta Pátria dos que "(...) ficamos uma vez mais à deriva/ neste canto que é nosso próprio chão/ sem que o canto sequer nos sobreviva ", esta Pátria, repito, espera de nós a única atitude digna da Poesia, a atitude que nos apontaram Camões, Vieira, Pessoa, Sofia, Vasco.

Enfim, só é preciso estar à altura...
 

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