[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Em nome de Távora,
Sintra e soluções para o futuro

3 de Setembro de 2005
- morte de Fernando Távora (n. 1923)
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Faz hoje doze anos que partiu o grande arquitecto português. Fernando Távora foi extremamente inovador, com uma comovente capacidade de intervenção nos cascos históricos dos espaços urbanos, figura de absoluta referência e pai da Escola de Arquitectura do Porto, era um grande senhor da Cultura Portuguesa, a quem Portugal muito deve, sem que a universal incultura dos portugueses sequer suspeite.
O mais moderno dos modernos, deixou o nome ligado a projectos que se tornaram paradigmáticos, como o da Pousada de Santa Marinha da Costa e a reabilitação do centro histórico de Guimarães, Escola Primária do Cedro (V.N. Gaia), Mercado Municipal de Santa Maria da Feira, Pavilhão do Ténis de Matosinhos ou aquele fabuloso poema que é a Casa dos 24 no terreiro da Sé do Porto.
Em termos da recuperação do património, o Arq. Fernando Távora é incontornável e tutelar. Para além de Guimarães, o seu trabalho no edifício sede do Círculo Universitário do Porto é uma autêntica lição, de visita indispensável, por exemplo, a estudantes de uma escola como a Profissional de Recuperação do Património de Sintra.
Távora e a Volta do Duche
A história recente de Sintra, convém lembrar, ficará para sempre ligada a Fernando Távora na medida em que aqui nos recusámos a concretizar um seu projecto. Avivando a memória, tratava-se do estacionamento subterrâneo na Volta do Duche.
Lamentavelmente, 'a contrario sensu' do que determinam os mais doutos, pertinentes e lógicos pareceres relativamente aos fluxos de trânsito e ao estacionamento nos centros históricos, Fernando Távora foi induzido a apresentar uma solução que traria mais automóveis para o centro histórico de Sintra.
A proposta não foi avante e ninguém me convence de que esta não foi mesmo a melhor solução e, inclusive, a melhor e maior prova de respeito por Fernando Távora que, deste modo, afinal, não viu o seu nome apoucado por um polémico e controverso projecto cujos difusos contornos nada se conjugavam nem com o seu altíssimo gabarito e prestígio nacional e internacional nem com os reais interesses de Sintra.
Mas a história não podia ter terminado em 2001 porque permanecia – e permanece tão pertinente como desde o início – a necessidade de estacionamento que se revela imperioso resolver a contento. É verdade que a radical atitude de um Movimento Cívico, com tanto êxito, condenou a solução. Na realidade, o acto político subsequente da Assembleia Municipal sancionou-a. Entretanto, seria de esperar que fossem apresentadas e concretizadas as competentes alternativas.
Ora bem, isso não aconteceu. Nem um centímetro de parque periférico dissuasor, que funcionasse em articulação com um expedito sistema de transportes públicos afins. Não vimos o aproveitamento de pequenas bolsas de estacionamento. Não vimos concretizado, ou sequer anunciada, a construção de qualquer auto-silo. Nenhuma via foi cortada ao trânsito. Nenhum civilizado regime de horário de cargas e descargas se implementou para que fosse inapelavelmente cumprido.
A cultura do desleixo
Nada, absolutamente nada foi feito minimamente análogo a esta rede de soluções que, de facto, constituem as alternativas ao que se pretendia fazer na Volta do Duche. E, assim tendo acontecido, os carros arrumam-se onde é possível, de qualquer maneira, inclusive em cima dos passeios.
Paradigmático? Pois esta é apenas uma das inúmeras soluções de terceiro mundo que, à falta de melhor, Portugal tanto tem promovido… É o resultado da pouca vergonha, é o desleixo à solta, a falta de nível, a consequência de más opções e de maus investimentos, os compromissos, o oportunismo, a falta do exercício da autoridade democrática.
É escusado procurar culpados nos decisores políticos mais ou menos recentes porque se trata de muito séria endemia, uma questão geracional e, mesmo que nos custe a admitir, coisa praticamente genética…
Há excepções, claro que sim. Fernando Távora, por exemplo, nada tinha a ver com esta cultura da ordinarice institucionalizada. Respeitosamente, curvo-me perante a sua memória.
[Ilustr: Fernando Távora; Sintra, Volta do Duche]

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